“O grupo mudou muito em todos esses anos e, tenho certeza, vai mudar muito mais agora, com esse espaço”, foi o que disse Edson Bueno, em uma espécie de boas-vindas antes da peça Paixões Desenfreadas ser apresentada, de fato. O Estúdio Delírio existe – e é lar de um grupo que produz teatro desde a década de 1980. Uma vitória, um novo espaço cultural, um lugar para se fazer e ver teatro. Um lugar, físico, real, feito de paredes, concreto e poltronas: uma afronta para a era da desterritorialização.
Foi um discurso rápido, improvisado, e, no entanto, bastante provocador por contemplar discussões essenciais para se pensar uma produção artística continuada. O teatro requer terreno, solo, chão. Não é raro, em Curitiba e em tantas outras localidades, o amor ser evocado para se remeter ao ofício teatral. Parece haver sempre uma voz a nos lembrar que são heróis, são apaixonados, são loucos, esses, que se metem com o teatro e tem nisso o ganha pão. Mas o que é esse sentimento, exatamente?
O que Edson Bueno fez, ao falar sobre o significado de se produzir teatro em Curitiba e sobre a recente inauguração do Estúdio Delírio, foi revelar esse estado apaixonado, que é mais um “estado”, efêmero e volátil do que uma certeza, rígida e duradoura.
A paixão, absolutamente necessária para se enfrentar a realidade, é o mesmo material usado para se fazer ficção. Uma paixão desenfreada, uma fé enorme no teatro, um desejo de fazer arte, acima de tudo. A resistência, a insistência, a indispensável fúria.
Em uma entrevista recente, feita pelo jornalista Luis Felipe Reis, José Celso Martinez Corrêa se referiu a uma certa conjuntura do país, uma suposta “crise” que desvaloriza o teatro. Ele diz:
“Os atores precisam se dividir em atividades fora do teatro para sobreviver, mas não consigo viver o teatro assim, não me conformo com a sua desvalorização. Como ele pode se desenvolver num tempo de extrema irresponsabilidade em relação à sua importância? Para enfrentar isso e se fortalecer, o teatro precisa ser um fenômeno radical, criado por essa máquina de guerra que é a companhia, esse conjunto de resistência contra uma sociedade que vive uma decadência em relação à cultura, ao conhecimento do humano sobre si mesmo.”
Sempre há a impressão de que as circunstâncias não são nem minimamente favoráveis. O trecho parece nos fazer lembrar que é preciso que a paixão encontre parceiros, interlocutores, para que uma rede seja criada. E o aparente cenário catastrófico, de repente, se torna obra de arte. A consolidação de uma companhia “esse conjunto de resistência contra uma sociedade que vive uma decadência em relação à cultura”, é motivo, portanto, de comemoração. Aliado a isso, no caso do Estúdio Delírio, está a afirmação de um espaço destinado a pesquisa e a produção contínua de arte.
Toda história de amor é potencialmente um caso de polícia e nenhuma figura é totalmente desprovida do ar misterioso da madrugada.
Foi impossível dissociar as palavras inicias do diretor Edson Bueno da peça apresentada, cujo elenco é composto por Diogo Biss, Luiz Carlos Pazello e Robysom Souza. A montagem apresenta o amor em retratos variados dentre os quais eu me permiti ver também o amor profundo ao teatro. Três atores empenhados em emprestar corpo e voz a outros homens e mulheres – estariam eles criando outras possibilidades? Estariam eles enfatizando aquilo que já se sabe? Saia e blazer. Vestido e camisa. Qual o lugar da complexidade?
A dramaturgia remete a Nelson Rodrigues, especialmente por conta do universo da crônica, em que toda história de amor é potencialmente um caso de polícia e nenhuma figura é totalmente desprovida do ar misterioso da madrugada. As esquetes parecem refletir a fluidez e a pluralidade que essa coisa, dita amor, pode assumir. Finais trágicos, cômicos, inesperados. Finais. Finais inevitáveis – porque além de ser amor, é humano.
Serviço
Paixões Desenfreadas
Quando: De 21/01 a 21/02, sexta a domingo, às 20h;
Onde: Estúdio Delírio – Rua Saldanha da Gama, 69 – Centro – Curitiba/PR;
Quanto: R$ 40 (inteira); R$ 20 (meia). Venda de ingressos no local.