Uma única criança participa de uma performance. Só que o performer está nu, e alguém filma. O horror, o horror. Histeria sem informação, o meme do fim de semana.
Fico triste não só pelos envolvidos, mas principalmente pelas crianças brasileiras que são violentadas, abusadas, levadas à prostituição todos os dias e não ganham manchetes. Nem sequer uma nota no fim da página, porque infelizmente [highlight color=”yellow”]algo disseminado, que esteve sempre aí, não é notícia.[/highlight]
Defender as crianças, motivo muito nobre. Aliás, sou mãe e não levaria meus filhos a qualquer espetáculo envolvendo nudez nem erotismo, que são coisas diferentes, inclusive.
Em julho, a operação Glasnost prendeu 30 pessoas por pedofilia na internet, após quatro anos de investigação. Não ouvi comentários nas redes. Alguém realmente se importa? Muitos que praticam essa coisa horrenda estão soltos por aí. Que bom, parece que pegaram os bandidos de verdade daquela vez.
Gostaria que a mesma verve do momento continuasse sendo usada, mas em relação aos verdadeiros problemas ligados à infância.
Uma campanha publicitária atual pede que você denuncie a exploração sexual infantil. O Disk Direitos Humanos é o número 100. Alguém ligou?
Num dos bairros mais carentes de Almirante Tamandaré, um projeto social ensina crianças a se defender contra o abuso. Em uma entrevista, um abusador disse que, caso as crianças dissessem “não”, provavelmente ele teria parado. Ensinar que não pode, então, tornou-se uma das metas do projeto, inclusive usando música de alta qualidade, numa canção cujo conteúdo é esse, sem vergonha de falar dos problemas. Só que não virou notícia.
Tem outras coisas bem presentes na nossa cultura que me desagradam. Criança assistindo novela, tudo bem? Vendo e se acostumando com a sedução e a agressividade de muitos dos diálogos. As roupas que imitam as de mulher, as danças nada infantis. É hora de olharmos um pouco mais ao nosso redor.
Eu assisti à performance La Bête em Curitiba, em 2016, e saí encantada. Parece pouco, quase nada, a proposta do artista. Ele contracena com uma escultura que remete à série “Bichos”, de Ligia Clark, brinca com ela. Quando oferece para mais alguém tentar, porém, tem que ser mudando as posições dele próprio em cena. Só que ele está nu, criando uma barreira grande e estabelecendo um questionamento moral. É imoral? Pode num teatro? Pode num museu?
Gostaria que a mesma verve do momento continuasse sendo usada, mas em relação aos verdadeiros problemas ligados à infância.