A morte envolve inúmeros fatores. Entre eles, aspectos sociais, culturais, históricos, religiosos, psicológicos, médicos e éticos que, não raramente, estão relacionados. Apesar de sua inescapabilidade, o momento de ocorrência da morte pode, de certa forma, estar sob nosso controle através de métodos e esforços para adiá-lo ou acelerá-lo.
Shinmon Aoki, escritor e poeta japonês, autor da obra Coffinman: The Journal of a Buddhist Mortician, que deu origem ao filme A Partida, vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro em 2009, no qual compartilha suas memórias do período em que trabalhou como nõkanshi (uma espécie de agente funenário no Japão) durante a década de 1970, escreveu um artigo sobre a forma como japoneses encaravam a morte.
Segundo ele, hoje, “devido a um modo de pensar que só dá valor à vida e que procura esconder ou negar a morte”, o velório e os costumes que o acompanhavam estão perdendo seu significado. “Isso criou um abismo entre os mortos e os vivos, resultando numa supervalorização de pessoas que vivem vidas individualistas e egocêntricas, sem conexão entre os próprios vivos.”
A peça estabelece um mergulho contemplativo sobre o luto, um resgate da essência da cultura oriental e de sua forma particular de encarar a morte.
Talvez por isso, o monólogo Corrente Fria, Corrente Quente, escrito e interpretado por Fernanda Caldas Fuchs, com direção de Franco Caldas Fuchs e realização da Cia Fúcsia, apresentado no Festival de Curitiba, estabeleça um mergulho contemplativo sobre o luto, um resgate da essência da cultura oriental e de sua forma particular de encarar a morte.
A proximidade com o público, sentado ao seu redor e com quem compartilha não apenas momentos, mas sua dor, no melhor sentido da “dor compartilhada é dor de ninguém”, estabelece laços profundos. Enquanto a personagem elabora a perda do pai, participamos do momento como se fôssemos necessários não apenas para a aceitação, mas para fazer com que a travessia da alma de seu pai para o outro mundo seja tranquila, como se fôssemos os barquinhos com velas do Tooronagashi, como se a luz do espaço cênico batesse em nós e refletisse vida no palco.
Talvez, como nunca antes, falar sobre morte tenha sido tanto falar sobre a vida.