A grande proeza de nosso tempo é a instabilidade. Vivemos sob a batuta do retrocesso e estamos diante de um buraco desconhecido. Em descida involuntária e violenta, resta-nos pouca coisa a fazer. Rezamos mesmo sem fé, afinal, o abismo nos arranca os sentimentos mais contraditórios. Gritamos mesmo sem voz, afinal, sabemos que o socorro só chega aos que se fazem ouvir. E torcemos. Torcemos para que o chão seja um tanto mais caridoso do que a queda, e que cesse de uma vez por todas esse desespero em queda livre. Que Deus, os berros ou o impacto nos livre de todo mal; e que assim, na base da porrada, seja possível aprender que além de nervos é preciso também ter ossos de aço .
Com a proximidade do fim do ano, todos estão fazendo seus balanços, preparando suas listas e traçando planos futuros. A velha tentativa de sempre é aprender com os erros conhecidos e mudar, de fato. O exercício de se reinventar é necessário, no entanto, os últimos meses do ano têm a capacidade de aflorar na sociedade a vontade de mudança. Mudar é preciso, sempre. Só assim é possível estraçalhar correntes, enterrar fantasmas e reafirmar a vida: essa herança maldita que atiramos no colo de crianças indefesas.
A única maneira de mudar é ser livre, se permitir tudo, e todos, sempre.
A única maneira de mudar é ser livre, se permitir tudo, e todos, sempre.
Durante o ano, muito se falou nesse espaço sobre uma reinvenção do próprio teatro. Buscar através de sua história e de nossos anseios um novo jeito de levar essa arte à sua maior potência. É inegável que existem diversos grupos e pessoas que fazem dessa arte sua própria vida e que insistem em pensar a arte dos palcos sobre a santa luz do caos e da inventividade. A essas pessoas sempre rendi os merecidos elogios e é através desse ânimo, que enfrenta com ossos de titânio toda as já conhecidas e enumeradas adversidades artísticas, que busco renovar minhas esperanças em relação a esse mundo que insiste tanto em nos maltratar.
Aqueles que enxergam no teatro apenas um meio de ganhar as suas vidas, que acreditam que o apelo comercial justifica a rotina modorrenta, têm sim o meu respeito, nunca disse o contrário. Tenho, e não deixo de admitir, pena de quem prefere só enxergar ofício e cédulas onde há encanto, liberdade e resistência.
Há ainda aqueles que agem através da cretinice. São os que estraçalham sonhos, que jogam sujo e que fazem da existência uma busca incessante
Pelo horror. A esses sempre combati e continuarei assim fazendo, com a certeza de que ao menos a voz levantei contra aqueles que insistiram em dinamitar a possibilidade do mundo que escolhi defender.
O teatro, obra viva, faz pulsar novamente sangue nas secas veias de nossos sonhos.
No fim do ano nunca me dediquei às listas. Sempre fui péssimo com promessas, confesso. As que fiz um dia, raramente cumpri. Algumas me atormentam até hoje. Já os sonhos andei engavetando por conta da dura realidade que se impõe. Em alguns momentos, é preferível o silêncio ao estardalhaço. Uma mesa escura, no fundo do bar, onde haja um bom copo de bebida forte e o silêncio reine. Aquele momento de introspecção que precede a iluminação.
Aquele canto escuro e desconhecido do palco.
Se ainda existem promessas possíveis, talvez a mais urgente seja aquela que dirigimos a um horizonte desconhecido, que se anuncia escuro, mas que pode ser reinventado através da claridade de nossa coragem.
Qual seria essa promessa? A promessa simples de um único sorriso ao fim de tudo. Afinal, talvez só seja possível sorrir atualmente em épocas assim, onde o que acaba é o ano e não as nossas esperanças.