São Paulo é celeiro das artes. De alma cosmopolita e tráfego endiabrado, a capital do estado é, sem sombra de dúvidas, uma espécie de norte quando o papo é cultura. Por conta disso, e dos absurdos arquitetados pela atual gestão, a cidade foi tema recorrente nas páginas especializadas essa semana, muito pela entrevista que o atual secretário de Cultura, André Sturm, concedeu ao Estadão (leia a entrevista aqui). Em um papo recheado de camaradagem e prepotência, Sturm fez uma espécie de balanço, pendendo sempre pro seu lado da causa, a respeito de seus poucos mais de 100 dias de gestão.
Vivemos tempos sombrios, e por conta disso não podemos admitir que quem comande a Cultura da maior cidade do país decida, pelo sim ou pelo não, sobre o futuro de nossa própria existência. Por isso, em cena, à luz do dia, rasgamos o bom-senso e gritamos em tom de rinha: secretário, o Municipal não é a sua insossa cozinha! E se o prefeito é o prefeito e o senhor é o senhor, a cultura também tem vida própria e não se rende ao seu policiamento repentino.
Evidente que ao tratar de teatro, o tema em questão, à primeira vista, pode parecer despropositado. No entanto, não queremos julgar ou discutir o conteúdo da entrevista, não. Temos todos o direito, e principalmente a capacidade, de discernir diante do óbvio. Essa coluna tratará especificamente de uma frase do atual secretário, aquela mesma frase que tem ecoado por todos os cantos do país e gerado discussões acaloradas a respeito de um velho tema: o Theatro Municipal é de quem?
Essa coluna tratará especificamente de uma frase do atual secretário, aquela mesma frase que tem ecoado por todos os cantos do país e gerado discussões acaloradas a respeito de um velho tema: o Theatro Municipal é de quem?
O secretário, ao tratar do tema cultura, cometeu uma gafe tremenda. Comentando a respeito do que acredita ser cultura, e das implicações que a cultura tem no cotidiano popular, disse o seguinte: “Não é que eu quero levar a Orquestra Municipal para a periferia, pelo contrário. Quero que o artista do Capão Redondo possa viver do que ele faz, mas não limitá-lo ao Capão Redondo. Por que eu não posso levá-lo para São Miguel, Santana ou Pirituba? E até para o Theatro Municipal? Claro, se for um rapper, não, mas de repente ele é um músico (…)”.
A princípio, não há necessidade de comentar a afirmação. No entanto, a coisa repercutiu por todos os veículos culturais do pedaço, de páginas dedicadas ao teatro até entrevistas concedidas por rappers, por isso, acreditamos que é preciso, a todos aqueles que defendem a cultura, se posicionar diante de tal declaração. Afinal o Municipal, reduto da Semana (viva 22!), é patrimônio brasileiro e não pode ser definido através dos olhos da impossibilidade.
Vila-Lobos, descalço, em extrema virtuose, afronta a burguesia paulistana. Oswald de Andrade, gênio bufão, fez do palco do teatro seu império. O Municipal de São Paulo é palco da invenção, e há tempos existe um movimento que insiste em não admitir que aquele espaço extraordinário continue, como aconteceu até durante a Semana de 22, nas mãos daqueles mesmos paulistanos que se entopem com o poder e chafurdam na lama da grana.
O caro secretário defende, talvez numa frase impensada, que a chama cultura erudita exerça uma espécie de catequese sobre a cultura que considera pequena, ou ao menos menor. Como todos os veículos que repercutiram o absurdo dito pelo secretário, nos colocamos em combate. Admitimos que é preciso ter crença nos governantes eleitos, afinal, acima de tudo defendemos a democracia, no entanto, não podemos nos calar diante de tão absurda constatação. Não fazemos aqui uma defesa somente dos rappers, defendemos repentistas, contistas e todo o tipo de artista popular pelo simples fato de acreditar que a cultura é em si popular, e que não devemos nos curvar diante da estupidez da soberba. Somos todos artistas, sim, artistas do povo e trabalhadores da cultura, e se a única estética que conhecemos é a estética do fome, salve Glauber, devoraremos cada possibilidade de luta que aparecer no horizonte.
O caro secretário, que por hora faz as vezes de sectário, não é bobo. Sabe que existe uma organização e que São Paulo, e todo o Brasil, não mais tolerará esse tipo de afirmação. Esperamos uma retração, além de uma nova conduta, e cremos que a possibilidade da cultura resiste nas pequenas causas. Estamos firmes e de pé! Prontos para aceitar o resultado das urnas, mas com a certeza de que, independente desse resultado, podemos criar um estado de criação onde seja possível contestar aqueles que nos representam.
Secretário, com todo amor que ainda não temos, acredite na força dos versos urbanos, do teatro de combate e dos artistas que não se importam da pecha de serem pedras no sapato. Estamos juntos? Talvez! No entanto, acreditamos que a ópera pode conviver com a rua, e temos a certeza de que a poesia, junto ao ritmo, irá transformar o mundo e fundir as cucas desses senhores da cultura. Preparem-se para a bomba H do desejo!