É difícil começar a falar sobre a clássica peça O Mistério de Irma Vap sem passar pela informação mais óbvia: o fato de que ela obtém um recorde no livro Guiness. A montagem dirigida por Marília Pera e estrelada por Marco Nanini e Ney Latorraca ficou 11 anos em cartaz, levando mais de 3 milhões de espectadores ao teatro.
O que nos faz pensar: o que há neste espetáculo, escrito por Charles Ludlam, que mobilizou tanta gente? Na montagem de Marília Pera, boa parte da propaganda estava em torno da mudança rápida de figurino: os dois atores da peça encarnam 8 personagens e os caracterizam por conta de trajes e perucas, que ficam sendo trocadas nos bastidores em uma velocidade incrível.
Já a montagem de O Mistério de Irma Vap do diretor Jorge Farjalla, apresentada durante o Festival de Curitiba, o foco está menos no cenário (que, fique bem claro, é incrível) e nas trocas constantes de roupas, e mais nas referências que são agregadas ao texto original.
A pegada de O mistério de Irma Vap é o besteirol. Isso quer dizer que a trama em si (a história de uma mulher, Lady Enid, que se muda para a casa de seu novo amor, Lord Edgar Montepico, mas precisa lidar com o “fantasma” de sua ex-mulher morta, Irma Vap, e com a criada Jane, leal à ex-patroa) é menos importante do que a quantidade de risadas que o texto consegue arrancar da plateia.
A fonte das risadas, claro, fica por conta de uma dinâmica afiada entre a dupla de atores. Mateus Solano e Luis Miranda (vencedor do prêmio Shell por esta peça) estão totalmente à vontade no palco, em um cenário que remete a um trem fantasma em um parque de diversões.
A grande atração desta nova montagem está nos diálogos que são mantidos tanto com textos da cultura pop, quanto com a situação do país.
Diferente da peça dirigida por Marília Pera, no espetáculo de Farjalla, boa parte dos figurinos são vestidos na frente do público, com o auxílio de um elenco de apoio vivido por quatro atores (Biagio Pecorelli, Fagundes Emanuel, Gus Casabona e Thomas Marcondes).
O quarteto configura uma atração à parte, e traz um tom meio de desenho animado a O Mistério de Irma Vap (lembre, por exemplo, dos momentos em que eles levantam placas ao público, remetendo a cenas que poderiam sair de um episódio do Pernalonga).
Um caldo de referências culturais
Mas a grande atração desta nova montagem, como já dito, está nos diálogos que são mantidos tanto com textos da cultura pop, quanto com a situação do país. As referências ao universo dos filmes de terror já aparecem no figurino, como na peruca da empregada Jane, que relembra a de Gary Oldman em Dracula de Bram Stocker, ou na roupa de uma criança no filme It.
Algumas citações parecem um pouco forçadas, como a brincadeira com Crepúsculo, que nem é exatamente um clássico para merecer a menção. Além disso, há homenagens a Hitchcock, a Bibi Ferreira e até a personagens célebres dos próprios atores – Zé Bonitinho da Escola do Professor Raimundo, vivido por Solano, e a Sheila do espetáculo Terça Insana, vivido por Miranda, dão as caras no palco.
O “pingue-pongue” entre os dois atores, certamente, é um fator crucial ao sucesso de público de O Mistério de Irma Vap. Mateus Solano e Luis Miranda mostram-se afiados tanto na performance cômica, que explora muito um humor físico e escrachado, típico do besteirol, quanto nos “cacos” que são inseridos nos diálogos.
A peça encenada no Guaíra, acalorada pelo momento do país, ganhou tom político forte na plateia (que mobilizou um coro de “Fora Bolsonaro” antes que o espetáculo iniciasse) e no palco. Em vários momentos, Mateus Solano insere na peça imitações (jocosas) do presidente Bolsonaro e algumas referências aos números 17 e 13 são feitas – no caso do último, com direito a Luis Miranda soltando um “13, com orgulho” e fazendo o sinal de L com uma das mãos.
Se você saiu do teatro sem saber muito sobre Irma Vap (além, claro, do famoso mistério em torno da amada morta), pouco importa. A razão da peça é muito menos fazer o espectador entender, mas apenas se divertir – nem que seja às custas de Bolsonaro.
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