Com dramaturgia da alemã Dea Loher, tradução de Edson d’Santana e direção de Márcio Mattana, a peça Cachorro trata da mediocridade e do conformismo de suas personagens. Como em outros espetáculos de Dea (A Vida na Praça Roosevelt e Inocência), a dramaturga preocupa-se em escrever um texto político-social, retratando a vida marginal. Na temática e na nacionalidade, nos lembra de Bertolt Brecht, apesar de não usar nenhum de seus recursos cênicos nesta montagem. No Brasil, pode-se traçar um paralelo entre este texto e a obra de Plínio Marcos, porém com uma linguagem muito mais sofisticada.
É inspirada em três obras do suiço Alberto Giacometti: Femme de Venise (1961), L’ Homme qui marche (1961) e Le Chien (1951). Na montagem curitibana, as réplicas das esculturas (feitas por Lauro Borges) estão em cena durante todo o tempo e ajudam a costurar a história.
Duas pessoas são unidas por uma terceira personagem ausente (possivelmente Giacometti): Ladrão Coxo (Fábio Costa) e Velha Puta (Juliana Partyka). Em princípio, o que os liga são as obras, mas depois encontra-se verdadeira semelhança entre os dois, que somada à carência os faz se aproximarem. Ambos são marginais da sociedade, pobres, conformados com a situação precária de suas vidas e têm uma deficiência física – o Ladrão é manco e a Velha Puta é cega. Os atores constroem esse corpo das personagens de maneira muito coerente e natural, sem abandonar por nenhum momento sua construção.
Aos domingos, durante toda a temporada, haverá sessões especiais acessíveis ao público com deficiência visual. A entrada dos interessados será antecipada em 30 minutos (às 19h30) para uma dinâmica com apresentação de cenário e figurinos. Todo esse processo tem a consultoria de Hellen Mieko Hamada. “Valendo-se de percepções sensoriais, oferece uma experiência teatral sugestiva, e diferente daquela oferecida pela audiodescrição. Busca-se provocar o repertório individual e particular de cada um, através do contato direto com o espetáculo”, explica Juliana Partyka.
Com dramaturgia da alemã Dea Loher, tradução de Edson d’Santana e direção de Márcio Mattana, a peça Cachorro trata da mediocridade e do conformismo de suas personagens.
O cenário (de Paulo Vinícius) é realista, muito bem construído e coerente. Fundamentado na lógica realista, faz com que todas as ações que interagem com o cenário sejam feitas de maneira real: quando abrem uma porta e saem de casa, ou seja, não é cênico. Por ser o apartamento da personagem, nos dá a entender que a Velha Puta não é ou não foi uma garota de programa barata, mas sim uma meretriz de luxo, hoje velha e decadente.
Os figurinos (também de Paulo Vinícius) nos dão a mesma ideia de decadência de algo que já foi bom, mas hoje é velho e démodé. Difícil imaginar as personagens em outras roupas que não estas. Toda a equipe de criação (cenário, figurino, caracterização, sonoplastia, iluminação) teria seu trabalho a ser considerado irretocável não fossem as perucas usadas em cena que quebram com a construção realista do espetáculo e provocam desconforto na platéia.
A iluminação (de Lucas Mattana) é bem construída e segue a mesma linha realista. Cria uma ambientação não só do apartamento, mas também da luz natural, complementando a construção do cenário com o desenho sensível de janelas à esquerda do palco. Isso somado constrói uma poética de cena lírica. A sonoplastia é quase inexistente, usada de maneira natural e produzida em cena. Não é ficcional.
Em resumo: a peça, apesar de um tanto quanto cansativa, faz uma homenagem ao artista plástico Alberto Giacometti, trabalha de modo realista com questões sociais, aborda a deficiência visual de diferentes maneiras e questiona: qual o propósito da arte e da beleza, da sensibilidade estética em um mundo real cruel, baixo, pobre, medíocre e desolador?
SERVIÇO | ‘Cachorro’
Onde: Miniauditório do Teatro Guaíra | R. XV de Novembro, 971 – Centro;
Quando: Até dia 25/3, de quinta a domingo, às 20 horas;
Quanto: Ingressos a R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia) + taxa.