Liberdade: condição daquele que é livre; capacidade de agir por si próprio; autodeterminação; independência; autonomia. Não são poucos os pensadores ao longo das épocas que procuraram interpretar o conceito de liberdade. Seu conceito, aliás, é concebido como uma conquista de cidadania. Seria sua ausência, então, um atestado de não-humanidade, afinal, não abraçamos nem seu sentido político e tampouco ético.
Descartes dizia que “A liberdade consiste unicamente em que, ao afirmar ou negar, realizar ou enviar o que o entendimento nos prescreve, agimos de modo a sentir que, em nenhum momento, qualquer força exterior nos constrange”. Em sua ausência, passaríamos a reivindicá-la, lutar por seu retorno e estabelecimento contínuo. Precisamos, antes de mais nada, sermos livres; a liberdade nos define. Ou precisaria. Ao menos assim pensava Sartre.
De forma semelhante pensava Kant. Já Guy Debord pensava diferente, considerando-a apenas uma ilusão, pois só teríamos liberdade para escolher entre poucas coisas que nos seriam previamente impostas, e assim expôs em A Sociedade do Espetáculo. Também tem visão diferente sobre a liberdade os ditadores, de esquerda ou de direita, os que buscam sua supressão.
Através da mescla de diferentes tempos, acompanhamos a história de Nuon, passeando por suas memórias em uma visita dolorosa, ainda que carregue em si pequenos trechos poéticos.
Nuon, espetáculo da companhia Ave Lola dirigido por Ana Rosa Tezza e exibido no Ave Lola Espaço de Criação até o próximo dia 29 deste mês, mergulha, através do olhar minucioso do teatro, no regime do Khmer Vermelho, o Partido Comunista da Kampuchea, que governou o Camboja entre 1975 e 1979 e resultou em um terrível genocídio. As tentativas do partido de fazer a reforma agrária levaram o país a uma situação de fome generalizada, e a postura dos comandantes foi marcada por execuções e tortura, o campo exato onde a liberdade torna-se apenas um irrelevante adereço.
Através da mescla de diferentes tempos, acompanhamos a história de Nuon, passeando por suas memórias em uma visita dolorosa, ainda que carregue em si pequenos trechos poéticos. A narrativa é não-linear, intercalando o horror e a beleza, riso e choro, construindo no imaginário do público a exata noção da esquizofrenia de precisar enfrentar o hoje sem saber se o amanhã existirá, necessitando manter-se confiante, não apenas por si, mas por quem te cerca.
O texto de Ana Rosa Tezza carrega uma delicadeza de abordagem sem, no entanto, privar o espectador do confronto com a dura verdade dos fatos. O não-dito e o silêncio carregam em si a potência que talvez não fosse possível de transmitir verbalmente, evidenciando várias pequenas sutilezas textuais. Um espetáculo tocante, atual e com um apreço pelos detalhes digno da grande arte dos palcos.