O grande Oswald de Andrade (1890 – 1954) é desses homens que fascinam à primeira vista. Guerreiro incansável de nossa tribo, Oswald é sempre lembrado como um dos mentores da Semana de Arte Moderna de 1922, mas sua contribuição para a cultura brasileira vai muito além do evento no Teatro Municipal.
De espírito inquieto e pena afiadíssima, o escritor colecionou admiradores e desafetos. São inúmeras as histórias que envolvem o nome de Oswald de Andrade, assim como são inúmeros os adjetivos usados para definir o poeta. Combativo, o antropófago transitou em diferentes frentes culturais, sempre de maneira genial e ruidosa, defendendo suas crenças com a violência e a destreza que cabe aos imprescindíveis. Jornalismo, literatura, panfletos; Oswald foi um escritor obsessivo e incansável, que levou a sério a ideia de produzir para se manter vivo.
Como todo artista que se guia pelo ímpeto criativo e não pela conta bancária, o escritor de Serafim Ponte Grande conviveu com os problemas causados por essa opção, mas não arredou o pé jamais.

Dentre as formas de atuação escolhidas pelo escritor para atuar, o teatro é, sem sombra de dúvidas, a mais esquecida. Durante muito tempo o “Teatro Oswaldiano” foi diminuído diante da grandiosidade de algumas de suas obras, algo absolutamente inaceitável. Muito desse desdém se deve ao fato de que a primeira montagem de um texto do autor aconteceu somente em 1967, quase quinze anos depois de sua morte.
Este artigo não busca retratar uma injustiça histórica, até porque, depois de 1967, muitos intelectuais já trataram do teatro de Oswald de Andrade em suas obras. Um exemplo razoavelmente recente é o ótimo Teatro de Ruptura: Oswald de Andrade, escrito pelo crítico teatral Sábato Magaldi.
O fato é que, assim como Nelson Rodrigues, Oswald de Andrade é um dos grandes responsáveis pela inovação do teatro brasileiro. Usando e abusando da inventividade, seus textos introduzem uma nova linguagem à dramaturgia nacional.
O primeiro contato com o teatro se deu ainda na juventude, no porão da casa de um primo, como o próprio autor comenta em sua autobiografia incompleta Um homem Sem Profissão Sob as Ordens de Mamãe: “Eu era naturalmente indicado para ser astro da pequena troupe que Marcos formou com vizinhos (…) Meu fracasso foi no primeiro dia. Nunca consegui articular duas frases no palco.”
A primeira tentativa com as artes cênicas ocorre em parceria com Guilherme de Almeida – são as famosas Peças Francesas. Apesar de não ter a pulsão e o engajamento que marcam suas outras três obras – O Rei da Vela (escrita em 1933 e publicada em 1937), O homem e o cavalo (1934) e A Morta (1937)- as peças trazem o início de uma busca e de uma história do autor com o teatro.
Oswald de Andrade enxerga no teatro a potência necessária para se comunicar com a massa. O autor estava em seu período de maior engajamento político e, não a toa, escreve três peças em quatro anos. Se por um lado, em algumas passagens, o militante político pesa a mão na propaganda, não são raras as vezes em que o poeta assume as rédeas e transforma o texto com sua violência poética. Como em qualquer obra de sua lavra, é preciso compreender a vida de Oswald para se compreender seu teatro. Em O Rei da Vela, por exemplo, o autor faz um ataque violento às classes dominantes do Brasil, e aborda a questão da agiotagem quando o próprio encontrava-se nas mãos de agiotas após a crise mundial de 1929.
Não são raras as vezes em que o poeta assume as rédeas e transforma o texto com sua violência poética. Como em qualquer obra de sua lavra, é preciso compreender a vida de Oswald para se compreender seu teatro.
Assim como Maiakovski – aliás a semelhança entre as obras cênicas de ambos é assustadora – Oswald de Andrade acredita que as forças do teatro podem levantar a nação. Em seu manifesto Do Teatro Que é Bom, ele julga necessário a criação de um teatro para o povo feito pelo povo, uma festa nacional tal qual o futebol.
Da tentativa frustrada da leitura de O Homem e o Cavalo no Teatro da Experiência, de Flávio de Carvalho, episódio esse que merece um artigo, à consagração póstuma na encenação de O Rei da Vela, apresentada ao público pelo teatro Oficina em 1967, fica visível que as obras de Oswald incomodam aqueles que esperam encontrar no teatro o mesmo coro dos contentes de sempre.
Como todo gênio, Oswald de Andrade pagou por estar a frente de seu tempo. É imprescindível que o teatro renda ao nosso canibal, que foi um de seus maiores defensores e entusiastas, os devidos louros.
Que continuemos a exercitar a dentuça na mastigação poética do teatro oswaldiano, e que cada vez mais nos empanturremos com sua lúcida, e necessária, acidez.
Bom apetite!
ESCOTILHA PRECISA DE AJUDA
Para continuar a existir, Escotilha precisa que você assine nosso financiamento coletivo. Você pode contribuir a partir de R$ 8,00 mensais. Se preferir, pode enviar um PIX. A chave é pix@escotilha.com.br. Toda contribuição, grande ou pequena, potencializa e ajuda a manter nosso jornalismo.