Trocando Em Miúdos: O teatro perde um de seus maiores e mais apaixonados nomes. Antonio Abujamra dedicou sua vida a nos fazer pensar e sentir através de seu espírito inquieto e contestador. Encenador incansável e brasileiro máximo, o seu legado faz parte da história de nossa cultura.
Na manhã do dia 28 de Abril de 2015, o Brasil acordou com uma triste notícia: aos 82 anos, Antonio Abujamra, monstro sagrado do Teatro, não acordou. O despertar, algo tão corriqueiro e natural, às vezes nos prega dessas peças. É impossível não sentir que, com o homem, morre um pouco do Brasil que nos orgulha.
Abujamra é desses sujeitos imprescindíveis ao mundo, daqueles que lutam sempre, como diz Brecht em um de seus poemas. Homem de teatro, fez do palco sua causa e da vida sua grande obra. Filósofo e jornalista de formação, incansável e provocador por natureza, Abu, junto a outros brasileiros notáveis, é responsável por reinventar o teatro nacional, tendo como influência marcantes o alemão Bertolt Brecht e seu discípulo Roger Plachon, a quem conheceu pessoalmente.
“Filósofo e jornalista de formação, incansável e provocador por natureza, Abu, junto a outros brasileiros notáveis, é responsável por reinventar o teatro nacional.”
O primeiro contato com o teatro aconteceu através da crítica, natural para um espírito inquieto e contestador. No entanto, o crítico exigente ouviu o chamado dos palcos e se rendeu aos encantos do ritual cênico. Perdemos um grande crítico, coisa rara nos dias atuais, mas ganhamos um dos maiores encenadores de Pindorama.
Guerreiro incansável da cultura, Antonio Abujamra resistiu bravamente à fatídica ditadura militar, período grafado a sangue na alma brasileira, e nos brindou com montagens que fazem parte do inconsciente popular.
Teatro, cinema e televisão. O espírito aventureiro de Abujamra transitou por todos os campos da cultura nacional, sempre amparado pelo seu humor ácido e conhecimento infinito. Como entrevistador no programa Provocações na TV Cultura, Abu tornou-se ainda mais conhecido do grande público e nos mostrou que é possível fazer arte, da maior qualidade, dentro dos moldes televisivos. Questões sobre a vida e sobre a morte, por exemplo, eram abordadas com habilidade inigualável pelo Bruxo de nossos tempos.
O legado de Abujamra é tão extenso quanto a lacuna deixada por sua partida. Nós, que nos acostumamos a ter a sua companhia em noites insones, precisamos ouvir sua voz firme a declamar as belezas e horrores que nos assolam, clamamos por sua figura bruta em nossa retina para lembrar que é preciso estar sempre alerta. Com ele aprendi a resistir diante de todas as impossibilidades, aprendi a acreditar na arte mesmo sendo descrente em relação à humanidade.
Obrigado, Abu! Obrigado por nos escancarar a miséria humana e assim nos ensinar a sermos mais humanos. Obrigado pela companhia e pelos conselhos em momentos de aflição extrema. Obrigado por tudo, mestre. Na falta do talento necessário para reverenciar a vida de um gênio, faço minhas as palavras de Mayakovsky em seu poema ao grande Sergei Yesenin:
“Até logo, até logo companheiro,
Guardo-te no meu peito e te asseguro:
O nosso afastamento passageiro
É sinal de um encontro no futuro.
Adeus, amigo, sem mãos nem palavras.
Não faças um sobrolho pensativo.
Se morrer, nesta vida, não é novo,
Tampouco há novidade em estar vivo.”
Evoé, Antonio Abujamra!