Trocando em Miúdos: Palhaços, peça dirigida por Mariana Zanette, tenciona temáticas que envolvem a identidade do artista ao promover o encontro entre um palhaço e um espectador.
Luigi Pareyson, quando aborda a temática “arte e vida” diz que a arte acompanha toda a experiência do ser humano. As manifestações artísticas são exercícios de moralidade, religiosidade, política e sua abrangência faz surgir um questionamento que o autor assim sintetiza: “como é possível que a uma mesma atividade se atribuam características tão diversas?”. Inserido nessa questão está também o artista.
“O que faz de alguém um artista e o que o artista faz? Quais são as coisas pelas quais se deve passar até assim ser nomeado ou nomear-se? O que o diferencia? ” são alguns dos questionamentos existentes no imaginário social. A ideia de que o artista é dotado de uma excentricidade e de um mistério parece ser um retrato comum – ainda que ninguém saiba o que são e significam esses elementos, de fato. As discussões do papel social do artista, suas atividades e sua identidade são temas para considerações de todo o tipo proferidas nos espaços e contextos mais diversos possíveis, mobilizando uma quantidade bem grande de assuntos, dos mais abstratos até questões de uma esfera trabalhista, por exemplo.
Assim como a arte, tão plural e múltipla, com formas, finalidades, conceitos e técnicas tão distintas, o artista, “esse curioso ser”, também existe de diferentes modos. Ainda que óbvio, parece haver um hábito, bem distante de ser exclusivo do campo artístico, que insiste em enxergar o artista a partir de estereótipos – nem sempre mentirosos, mas, certamente, insuficientes. Trata-se do processo de generalização que parece ser aplicado a tudo, a todo o momento. Há, nesse sentido, um achatamento das questões que promove a desumanização e o afastamento. O artista se torna somente o artista – quando, na realidade, ao redor da nomenclatura existe uma porção de outras figuras/posições.
“O artista é aquele indivíduo que…” é como iniciam inúmeras colocações sobre os sujeitos que se dedicam a alguma atividade artística – várias delas com contundentes argumentos referentes a certos contextos/manifestações, que contemplam posicionamentos e opiniões de certa comunidade. É uma forma de atestar a existência, de delimitar terreno e tornar audível a voz. Um constante embate entre a singularidade e aquilo que é coletivo e as maneiras possíveis de entrecruzá-las. No entanto, são várias as manobras que, continuamente, fazem com que as identidades sejam algo possível de ser facilmente reconhecível – o mundo é um lugar que a identidade andrógena, por exemplo, causa desconforto e reações muitas vezes violentas. A rápida identificação promove ligeiras e fáceis associações que culminam em uma definição: “isso é isso” e “aquilo é aquilo” e quando, por alguma razão, a definição é impossível ou requer um nível de complexidade outro, há uma desestabilização.
“Um artista é um artista”, é o que diz um dos personagens da peça Palhaços, dirigida por Mariana Zanette, cujo texto foi escrito em 1974 por Timochenco Webhi.
“É no camarim em que o encontro ocorre, onde o palhaço se mostra despido e o drama ficcional se torna o sofrimento do indivíduo.”
A montagem recria o espaço do circo e centra a discussão aqui apresentada na figura do palhaço. É a partir do encontro entre ele e um vendedor de sapatos que as temáticas referidas se desenvolvem. É no camarim em que o encontro ocorre, onde o palhaço se mostra despido e o drama ficcional se torna o sofrimento do indivíduo.

Há o confronto entre o que o artista é e o que se espera que ele seja – um lugar para se pensar o quanto há de performance em tudo o que “simplesmente é”, um lugar de confronto entre a individualidade e a representatividade. A noção de que é palhaço aquele que faz rir, no entanto, em determinado momento, se expande até atingir as circunstâncias em que o termo é utilizado pejorativamente. Ser “palhaço” depende de variáveis que nem sempre se relacionam com o circo. Ser alguém risível, como indica a peça, depende de quem vê e dos motivos elencados para que a graça exista. É possível, com diferentes configurações, que um vendedor de sapatos, que tem como maior ambição a gerência de uma loja, seja bem mais engraçado do que a figura de um palhaço, em um espaço determinado para isso ou não. Tão igualmente possível, ainda que se negue, é o fato de que o sofrimento e as sensações de um artista, às vezes, se encontram bem distante do tom que tem o seu ofício – uma das maneiras de se encarar essa vasta relação entre arte e vida.
O título deste texto é em referência a um poema de Alice Ruiz, poeta curitibana (que teve, recentemente, seu trabalho exposto em Curitiba), que parece ilustrar a temática evocada.
Serviço
O espetáculo, no último fim de semana, foi apresentado no Teatro Regina Vogue.
A partir do dia 22 de julho até o dia 2 de agosto, fará temporada no Teatro José Maria Santos.
De quinta a sábado, às 20 horas, e domingo às 19 horas.
Classificação: Livre
Ingresso: R$ 20.