Por mais que se tente é impossível esquecer que vivemos tempos de pandemia. A ameaça está sempre ali: amedrontando, alimentando o pânico, nos espremendo contra a parede. Tal qual a constante presença do vírus, outra certeza, essa baseada nas falas dos especialistas, é a de que o mundo, e por consequência a própria vida, nunca mais será o mesmo. Novas precauções e preocupações levarão inevitavelmente a uma reinvenção, ou, nesse caso, uma adaptação ao meio em que viveremos. Será assim com tudo: comércio, turismo, prestação de serviços e, por óbvio, com as questões relativas ao entretenimento.
Por aqui, ainda é impossível pensar em uma retomada que soe minimamente responsável. Na Europa, a coisa está um pouco além e muitos países retomam suas atividades gradualmente, abrem fronteiras para turistas do continente e tentam se readaptar a uma nova realidade. Mesmo os países que mais sofreram com os efeitos devastadores da pandemia, como é o caso de Itália e Espanha, já podem dizem que o pior passou e tomam os devidos cuidados para que a reabertura não cause uma segunda onda de infectados. Por isso, e porque o mundo de fato nunca mais será o mesmo, os teatros da capital espanhola, Madrid, voltaram à ativa na última semana com muitas novidades pros expectadores, algumas no mínimo inusitadas.
A capital espanhola é uma das mais belas e efervescentes cidades do mundo. A cidade é berço cultural europeu e é hoje a cidade espanhola com maior número de salas e espaços dedicados à arte e à cultura, que são frequentados por milhares de pessoas, espanholas e turistas, no decorrer de cada ano. Ali, no bairro de Chamberí, na famosa Calle de Cea Bermúdez, fica o complexo conhecido como Teatros del Canal: centro de artes escénicas contemporáneas. O complexo está cravado em um edifício moderno, premiado pela Bienal de Arquitetura da cidade, com impressionantes 35.000 metros quadrados e compreende, além de toda estrutura, três salas abertas ao público: Sala Roja, Sala Verde e Sala Negra.
Ao se deparar com o edifício numa tropicada qualquer, logo se nota, preso à fachada de vidro, o calendário de peças abertas ao público. Mesmo na pandemia, mesmo diante do lockdown, o calendário de espetáculos manteve-se por lá, criando uma esperança e demonstrando a público e artistas que por mais que a situação demonstrasse o contrário, uma hora seria possível retomar as atividades artísticas naquele jardim tão fértil. Passaram-se dias, todos eles monótonos e iguais: ruas vazias, mortes, medo; até que na última quarta-feira, 17, o espaço reabriu as portas e mostrou ao público que, mesmo com algumas diferenças e adaptações, o teatro resiste e voltará, seja lá ou cá.
Passaram-se dias, todos eles monótonos e iguais: ruas vazias, mortes, medo; até que na última quarta-feira, 17, o espaço reabriu as portas e mostrou ao público que, mesmo com algumas diferenças e adaptações, o teatro resiste e voltará, seja lá ou cá.
Os espectadores que se dirigiram ao Teatros del Canal na reabertura tiveram, inegavelmente, uma nova experiência em relação ao ato de assistir a um espetáculo. As mudanças em relação ao usual já se dão logo na entrada. Filas respeitando o distanciamento necessário, maquinário para medir a temperatura de cada indivíduo separadamente, mesas de cafés interditadas. Apesar do local parecer quase inalterado, a experiência, mesmo antes de entrar nas salas, já é completamente diferente.
Dentro da sala vem, então, o grande impacto, uma nova companhia: manequins. Sim, uma das principais ideias da direção do del Canal foi apostar nessas figuras plastificadas, quase humanas na escuridão da sala, para não deixar que o vazio torne a experiência menor. Além dos manequins existem também vasos de plantas espalhados pelas cadeiras dos espaços, criando o distanciamento necessário e preenchendo o nada que poderia assustar ao público reduzido.
A experiência do espaço espanhol também é a mais inusitada por conta da presença desses humanos de plástico, mas não é a única que se vê pelas redes na retomada europeia das atividades. Uma famosa casa de óperas de Berlim, por exemplo, arrancou a maioria de suas poltronas para readequar o espaço aos novos tempos.
A questão principal aqui não são as medidas de readaptação física dos espaços e de toda testagem e coisas do tipo. Por mais que a experiência se transforme, a grande questão é que a vivência europeia serve de norte para afirmarmos que as coisas voltarão sim, talvez não a uma normalidade conhecida, mas voltarão. Cada país em seu tempo, respeitando limitações de todos os tipos, deverão fundar uma nova realidade para a existência de sua população daqui pra frente. Esperamos e torcemos que nessa nova realidade brasileira, quando ela vier, além de teatro tenhamos também dignidade, coragem e um presidente minimamente capaz a frente da nação. Veremos.