Em um vídeo publicado nas redes sociais, Regina Duarte se despediu de sua rápida e insignificante passagem à frente da natimorta Secretaria Especial da Cultura do governo Bolsonaro. Regina, que semanas atrás representou o papel de vítima, não teve vergonha, tão pouco escrúpulos, ao mentir descaradamente a respeito de sua saída do atual governo. Passada viva na frigideira política e insana do capitão, depois de ser desautorizada e execrada em público, a veterana atriz se colocou a serviço do desmonte cultural, aceitou se retirar da cena política tão insossa quanto chegou. Representou, a senhora, o pior papel de sua vida. E assim, sem sal ou salva-vidas, respingada pelo chorume daquele que a nomeou, Regina Duarte segue em direção a São Paulo para assumir cargo inexistente de “alta patente” na Cinemateca.
Regina saiu, pronto. Enganam-se aqueles que acreditam na inocência de ex-secretária ou na injustiça sofrida nos últimos dias. A saída teve todos os ingredientes necessários ao programa de Bolsonaro: desdém para com a classe que representa, sapateado tétrico sobre caixões de mortos políticos e, entoado em alto e bom som em rede nacional, o canto fúnebre do slogan da ditadura que serve de norte ao governo defendido pela ex-atriz global. Que esgoto, Brasil. Que tristeza, camaradas do palco.
Resistimos, entre flancos e aflições, com uma única certeza cravada nos dentes: nada, nada mesmo, nos fará desistir dessa ideia de sermos considerados como trabalhadores, como sustentáculos dessa cultura que se anuncia, e se faz, tão importante em tempos de estupidez e desacordo.
Mas calma. É preciso muita calma nesse momento de transição. A saída de Regina não representa, nem pode representar, uma esperança vestida de nomeação. Sabemos que o próximo Secretário Especial da Cultura estará, no melhor dos cenários, tão alinhado ao governo quanto estava Duarte. Diante do estadista que nos governa, nada podemos esperar a não ser o escárnio. Enquanto Jair Bolsonaro presidir o país a cultura estará, infelizmente, não apenas jogada às traças, mas oferecida às feras que sempre insistiram em afiar suas presas no pouco couro de nossa gente. Por isso, e por acreditar no princípio anarquista da ação direta, é chegada a hora de decretar por aqui a doída certeza: a Secretaria Especial da Cultura não nos representa e, triste certeza, nunca o fará.
É senso-comum entre artistas o desdém estatal em relação à nossa classe. Diante de todo desalento, diante dessa incerteza que nos cerra os espaços e as possibilidades, nada foi feito. Continuamos esperando a esmola governamental, sofrendo e pedindo por uma espécie de ajuda que nunca chega. Estamos rompendo contratos de locação, pedindo aos amigos o pouco do pão, sorvendo da relva que nos serve de sombra um pouco do insignificante perdão por exigir o nada.
A única saída possível, e decente, é renegar completamente, não só a função, mas a existência desses representantes de um estado de exceção que se amontoa sobre todos. Criamos, fazemos da arte o nosso parangolé, vestindo na própria pele o descaso e a insistência, rasgando no pouco da nossa carne a indiferença com a qual somos tratados. Resistimos na base da teimosia e do sufoco, para quê? Ainda não sei, mas a resposta não é esse déspota vestido de glórias inglórias que parimos em meio ao desespero. Jair Bolsonaro e seu governo são inimigos, assim eles enxergam os artistas e dessa maneira devem ser tratados. A atual Secretaria não nos representa. Ela não é, em sua maioria, formada por artistas, mas por agentes políticos que compreendem a arte em um e outro fascículo de uma enciclopédia perdida na poeira do tempo.
Resistimos, entre flancos e aflições, com uma única certeza cravada nos dentes: nada, nada mesmo, nos fará desistir dessa ideia de sermos considerados como trabalhadores, como sustentáculos dessa cultura que se anuncia, e se faz, tão importante em tempos de estupidez e desacordo. Durma com a nossa turba, Bolsonaro, e se não puder dormir, aguente a nossa marcha em direção ao infinito. A cultura resiste, é fato, e com ela todos nó, homens e mulheres de cultura, entregamo-nos ao desespero de gritar a todos cantos: estamos aqui!