A guerra civil Líbia foi um dos diversos impasses políticos que compuseram a famosa Primavera Árabe, onda de manifestações e protestos que ocorreram no Oriente Médio e no norte da África a partir de dezembro de 2010. Considerada por alguns como uma revolução em “larga escala”, e por outros como a principal causa do enfraquecimento da democracia representativa pelo mundo, os conflitos na região ficaram marcados pelo impulsionamento e a visibilidade criados pelas redes sociais, por onde o mundo acompanhou, em tempo real, greves, manifestações, passeatas e, é claro, muito sangue.
De todas as imagens e vídeos que chocaram o mundo e registraram os confrontos do período, duas tornaram-se icônicas e ainda são lembradas vez ou outra nos canais de história ou nos noticiários internacionais. A primeira delas mostra a captura, o martírio e a morte do então chefe de Estado líbio, o ditador Muammar al-Gaddafi. O militar aparece nas imagens sendo levado por uma multidão. Vencido, ensanguentado e praticamente nu, o ex-ditador é obrigado a tourear a morte em praça pública. O fim do troço todos nós sabemos.
O outro vídeo a que me refiro não fica atrás desse. Nele, a então estudante de direito Iman al-Obeidi invade um hotel aos prantos, grita, aponta o dedo e denuncia os abusos cometidos pelas tropas líbias que a espancaram e estupraram durante dias. Defendida pelos jornalistas presentes à ocasião no Hotel Rixos, em Trípoli, a garota ficou conhecida mundialmente e tornou-se uma espécie de símbolo de desafio a Kadafi. A força de Iman al-Obeidi, com seus olhos vidrados defendendo-se dos lacaios de um ditador sujo, serviu de estímulo para pessoas de todo o mundo rebelarem-se. Aqui no Brasil, nesse país pesado e pesadelo, não poderia ser diferente.
Sua indignação, insubmissão e rebeldia foram a inspiração e o ponto de partida para a criação da peça Sete, uma denúncia poética escrita por Dione Carlos e dirigida por Thadeu Perrone, que estreou no último dia 03 de outubro no Miniauditório do Guaíra, em Curitiba, e segue em cartaz até o próximo dia 20 deste mês. Segundo o diretor, o texto de Sete é “providencial nos dias de hoje”. Para Perrone, o espetáculo pretende “catapultar emoções num universo realista não muito distante do que estamos vivendo, para nos fazer renascer e ir para frente nesse mundo em que se vive no limiar do humano”.
A peça busca traçar um paralelo com a violência cometida contra mulheres em todo mundo através do caso Iman, afinal a violência contra as mulheres assola o globo desde sempre e o horror do feminicídio é visto diariamente nos jornais de todo o mundo, infelizmente. A mão covarde que atenta contra a vida de mulheres está aí, como sempre esteve. Segundo a dramaturga Dione Carlos, “esse texto é o despertar de Lilith, é Iansã tomando parte do fogo de Xangô para si… É o momento de virada das mulheres, em que passamos da paralisia causada pela dor e a ignorância, ao movimento que o renascimento e o conhecimento trazem”.
A peça busca traçar um paralelo com a violência cometida contra mulheres em todo mundo através do caso Iman.
Além do espetáculo, a programação conta com duas palestras que também acontecerão no Miniauditório. A primeira delas aconteceu no último dia 08, terça, e teve como tema a violência, a opressão e a cultura do estupro. A outra acontece no dia 15 do mesmo mês e tratará da psiquê da mulher atual em tempos de cultura de estupro.
Nesses dias sombrios, onde a mão da desrazão e do absurdo esfregam-se obscenamente com os braços das grandes corporações e os dedos sujos de políticos que servem a interesses escusos em detrimento de seu povo, é preciso gritar a plenos pulmões em defesa da justiça. Se existe no horizonte o horror, há também a possibilidade do amor que sempre se achega depois da tempestade. A resistência é, acima de tudo, um exercício de crença, e é assim, acreditando na justiça e no amor, que a peça Sete se apresenta no horizonte do teatro brasileiro. Felizmente.
FICHA TÉCNICA
Texto: Dione Carlos;
Direção: Thadeu Peronne;
Elenco: Ana Paula Taques, Erica Colognezi, Geisa Costa, Gideão Ferreira e Leonardo Goulart;
Iluminação: Rodrigo Ziolkowski;
Música original: Harry Crawl;
Criação de cenário, figurino e adereços: Paulinho Maia;
Preparação corporal: Carmela Ferraz;
Projeção mapeada e vídeos: Alan Raffo;
Fotos: David D’Visant;
Ilustração original: Rony Bellinho;
Design Gráfico: Rafael Jubainski;
Produção Executiva: Mazé Portugal;
Produção: Thadeu Peronne Produções Artísticas.
SERVIÇO | Sete
Quando: de 03 a 20 de outubro; quartas, quintas e sextas, às 20h; sábados, às 18h e 20h; domingos, às 17h e 19h;
Onde: Miniauditório – Glauco Flores de Sá Brito | R. Amintas de Barros, s/nº;
Quanto: R$ 15 (inteira), R$ 7,50 (meia) – Comprar no local ou no site http://www.ticketfacil.com.br/;
Classificação: 14 anos