A premissa é clássica: o sonho trucidado pela realidade. A possibilidade de vivência suprimida pela necessidade da sobrevivência. Afinal, se o tempo do poeta é o peito, o desespero é a sua única certeza. E quantos poetas não se perderam, a negociar o seu precioso tempo, sem saber ao certo, ou a tempo, que era o seu próprio peito que ele vendia. E assim, sem avisos ou arrependimentos, o poeta moderno leiloou o próprio peito, e restou a ele apenas esse pouco tempo que se esvai entre o escritório e a academia.
Quando da escolha de uma profissão, somos massacrados por dúvidas e pressionados por todos os lados. Entre a realização pessoal e a estabilidade financeira, cavoucamos noites insones em busca de uma luz para aplacar o breu que se instala em nossa alma. Se de um lado, a juventude grita a plenos pulmões em defesa da felicidade, do outro, há o mundo, com seu sorriso áspero, demonstrando que nos inserimos na sociedade através do consumo. Tempo é dinheiro na república do crediário!
Todos passamos por essa aflição, independente da escolha, e cada geração convive com esse desespero mais cedo. Às vezes, temos a impressão que em breve traçaremos o destino profissional e financeiro de recém-nascidos ainda no berço. Dos escritórios aos centros acadêmicos, dos consultórios aos picadeiros; a satisfação está soterrada por boletos, os desejos foram desinfetados pelo medo e toda geração insolente vive aprisionada num eterno shopping-center.
Como toda escolha tem seu preço, não é difícil reconhecer na sociedade o estrondoso lamento daqueles que, mesmo tarde, reconhecem o peso do desperdício do próprio tempo. No teatro não é diferente. Apesar de muitos tratarem as artes como hobby, os artistas enfrentam hoje, em todas as áreas, os mesmos problemas que qualquer profissional encontra. É cada vez mais comum encontrar com velhos amigos, que outrora carregavam no olhar o brilho próprio daqueles que sonham, entregues a um estado indescritível de desilusão, trabalhando horas a fio, ensaiando de maneira incansável por trocados, dedicando-se toda noite a repetir ao público palavras nas quais não acredita. Vivem à espera do dia em que vai verificar na conta à míngua o resultado de seu sacrifico. Outros, em extrema revolta, decidem enterrar no passado, longe dos olhos, a vontade do palco e decidem de maneira repentina a procurarem um “emprego convencional”. Abandonam, feito um Rimbaud hipster, seu sacerdócio e decidem se dedicar a algo mais rentável.
No teatro não é diferente. Apesar de muitos tratarem as artes como hobby, os artistas enfrentam hoje, em todas as áreas, os mesmos problemas que qualquer profissional encontra.
Talvez, esse tipo de insatisfação pessoal carregue em si uma das máximas do poeta francês: o horror a todos os ofícios. No entanto, até o ócio é rentável no país do negócio, e somos bombardeados por receitas de felicidade que incluem largar tudo, viajar e se reinventar. Simples como um click nas redes sociais. Não há dinheiro que pague a liberdade, apesar disso, seguimos aprisionados, acomodados e obcecados por carimbos nas carteiras de trabalho.
Espaços fechados, à força, leis de incentivo atrasadas, sucateamento da cultura de modo geral. O resultado disso é um mercado frígido, sobrevivendo às custas de aparelhos, definhando por conta de interesses financeiros que acabam por fazer naufragar a nossa embarcação do delírio. O único estado possível é o estado permanente de abandono no qual nos encontramos.
Se a conquista da liberdade se dá através da luta pelos direitos, é preciso que nós, homens e mulheres das artes, lutemos pelo direito inalienável de sonhar nesse mundo que transformamos em pesadelo. O fim da música é, para Nietzsche, o fim de um estado de sonhar. Quando cessam as notas, somos obrigados a encarar os dentes da realidade, pronta a nos devorar com suas obrigações e seu calendário alucinante. Não é difícil que toda canção, como todo carnaval, tenha seu fim. No entanto, é possível preservar, em nós, aqueles acordes que transformam o tempo em ouro e que fazem a vida valer a pena.
Diante desse mundo ensurdecedor, talvez mais do que aprender a cantar, seja necessário dançar, mesmo que a música insista em cessar a todo instante. E se o rebolado não for a nossa salvação, que ele ao menos nos ajude a esquecer o silêncio que toma conta de nossa existência.