Diz-se que a mistura de linguagens é um traço frequente da arte contemporânea. A companhia Filhos da Lua usa fartamente essa premissa em Tempo, tragicomédia inacabada, que cumpriu temporada até semana passada.
Falar de tempo combina com o grupo de Renato Perré, que assina o texto e também atua como o protagonista na peça. A companhia é uma das mais antigas (since 1981) a atuar na cidade. O propósito de pesquisar a reunião de diferentes gêneros é declarado, conforme o diretor, que soma cerca de 30 montagens “sempre com o olhar nas experimentações de integração do teatro de bonecos com outras linguagens artísticas”.
O espetáculo começa cativante, fazendo uso de objetos que captam o olhar e jogando com esse interesse. Rapidamente somos envolvidos numa narrativa, com tintas de aventura, pela qual o poeta H precisa trazer de volta o vento ao mundo e ainda libertar sua amada, grávida de seu filho. Forças militares capturaram um e outro e ameaçam a humanidade. Estamos no ano 2030! Nada como boas histórias recheadas de metáforas.
Falar de tempo combina com o grupo de Renato Perré, que assina o texto e também atua como o protagonista na peça.
Mesmo com muito lirismo presente, percebe-se que o público, formado por tipos variados, entra no jogo. Essa é uma virtude do espetáculo: [highlight color=”yellow”]capturar a plateia por meio da interação[/highlight], oferecendo a oportunidade de ler versos poéticos lançados do teto, mas sem constrangimento.
A forma como a história é contada costuma ser mais relevante no teatro contemporâneo do que o QUE é contado/mostrado. Aqui entra a mescla.
Temos bonecos, vídeos excelentes que nos olham dentro dos olhos lá da parede, e o talento musical do grupo, que começa com força no início e depois é só pincelado.
O talento bonequeiro se faz ver com pequenos seres brilhantes que povoam o fundo do mar. O conjunto não busca harmonia, ficando as partes gritando uma em cada canto. Justaposição e colagem, mais que harmonia.
Enquanto a aventura divaga um pouco, há momentos em que nos captura com um texto preciso, como “H morreu às cinco da tarde, que é a hora em que morrem os filósofos e os poetas”. Acho que acabei de contar o final, mas, enfim, viva o teatro inacabado, em que as histórias são retomadas incessantemente em outros formatos. O tempo não deixará de ser tema tão cedo.
Ficha técnica | ‘Tempo, tragicomédia inacabada’
Texto: Renato Perré;
Direção: Adriano Esturilho;
Trilha sonora: Candiê Marques e Doriane Conceição;
Elenco: Renato Perré, Carolina Maia, Candiê Marques e Doriane Conceição.