Algumas séries são bastante subestimadas pelo público e crítica. Outras, além de subestimadas, acabam passando batido ao longo do tempo. Mesmo quando a atriz Laura Linney ganhou seu Globo de Ouro de melhor atriz em série cômica, em 2010, The Big C não viu sua audiência subir ou teve uma grande publicidade. E como grande parte das séries boas que não ganham as devidas projeções, The Big C apareceu e sumiu sem fazer muito barulho. Revisitá-la, entretanto, pode gerar uma bonita experiência, principalmente entre aqueles que vivem algo parecido em suas vidas.
Para quem não conhece, The Big C foi uma série do canal Showtime que contava a história de Cathy Jamison (Laura Linney), uma professora que descobre um câncer em estágio final. A revelação faz com que ela comece ver a vida com outros olhos, tentando experimentar todas as situações das quais ela privou-se por anos. No início, Cathy prefere não contar para sua família, o que faz com que ela se liberte de diversas amarras da vida regrada que ela levava. Conforme os episódios passam, Cathy é forçada a contar a todos, iniciar seu tratamento e travar uma luta contra a doença.

O tema parece dramático e espinhoso, e realmente é, mas graças ao talento de Darlene Huntm, criadora da série, e dos roteiristas, a série funciona como uma dramédia reflexiva, mesmo que profundamente melancólica. Inteligentemente, o roteiro ressalta o clichê de “fazer a vida valer a pena” de forma honesta, nunca panfletária demais ou forçada. A série até começa no lugar comum de uma mulher que resolver fazer tudo o que der na telha após descobrir que vai morrer, mas, aos poucos, a perspectiva muda, especialmente quando os outros personagens começam a questionar as atitudes, digamos, não tão compreensíveis da protagonista. Os diálogos, inclusive, brincam com todo o blá blá blá do senso comum e mostram Cathy sempre tomando algumas decisões muitas vezes egoísta.
The Big C teve vida curta, assim como sua protagonista, mas merece ser vista ou revista por quem se interessa por séries que passam uma mensagem delicada.
Com quatro temporadas exibidas, os roteiristas quiseram distribuí-las em períodos, como as cinco fases do luto (raiva, negação, barganha, depressão e aceitação), estágios discretos pelos quais as pessoas passam ao lidar com a perda ou a tragédia . Assim, nas duas primeiras temporadas, Cathy aparece ora com raiva, ora tentando negar seu estado clínico, se firmando em novas técnicas de tratamento. Já no terceiro e quarto ano, Cathy alterna momentos de muita indignação por não conseguir finalizar tudo o que julga necessário antes de morrer com uma depressão profunda, para chegar até a aceitação de que o fim está próximo. E é interessante perceber esse jogo de sentimentos com o público. Afinal, a fase de aceitação da personagem parece ir de encontro a uma negação do público, que sofre ao ver a protagonista definhando, internada e perdendo movimentos básicos do corpo.
A primeira e segunda temporada trazem uma atmosfera perfeita, mesclando comédia com todo o drama do tema. Por vezes, lembra muito a também subestimada The United States of Tara e dialoga de leve com a genialidade de Six Feet Under. Laura Linney certamente carrega toda a série nas costas, com seu olhar doce e sua atuação forte e frágil em momentos certos. Além dela, o elenco não faz feio, com destaque para Gabourey Sidibe, Oliver Platt e Phyllis Somerville.

Os problemas começam no terceiro ano, quando os roteiristas parecem ter perdido a mão e o tempo com situações fracas e que não acrescentaram em nada à história. Com plots nada inspirados e que esqueciam do verdadeiro tema, a série começou a cansar bem antes do que deveria, mesmo com a bela presença de Susan Sarandon no elenco. Com a audiência cada vez mais baixa, o canal Showtime resolveu renová-la para sua última temporada, mas em formato de minissérie, com apenas quatro episódios de uma hora de duração. E é no último ano que The Big C mostra todo seu potencial, já que a série parecia ansiosa para chegar ao que realmente interessava: a morte da protagonista.
Inevitavelmente, o roteiro acaba indo para um vale de lágrimas sem fim, mas não sem antes mostrar que a morte é algo tão natural quanto nascer. Assim, a história deixa de ser identificável apenas para pessoas que sofreram ou conviveram com o câncer, mas se torna universal, ampliando e incorporando a discussão sobre a finitude. Com diálogos e situações mais sérias, ainda que sem perder o humor, The Big C consegue elevar sua história a um patamar especial, quando os personagens se tornam tão queridos para o público que não é necessário inventar tramas mirabolantes, basta acompanharmos cada um deles em seus caminhos. E é lindo como Cathy tenta partir depois de assegurar que seus familiares e amigos estejam seguindo a vida, de uma forma ou de outra. É uma bela despedida para uma série que exigia uma cumplicidade muito grande com seu público mais fiel e precisava dizer adeus passando uma mensagem de conforto. Mesmo correndo o risco de ser piegas, The Big C destaca toda a aflição de Cathy ao tentar se reconciliar com as pessoas, a incerteza se conseguirá ver a formatura do filho ou a busca por alguma religião que entregue respostas.
The Big C teve vida curta, assim como sua protagonista, mas merece ser vista ou revista por quem se interessa por séries que passam uma mensagem delicada. A arte, afinal, também serve como conforto em momentos delicados.
“Sabe, as pessoas saudáveis realmente precisam parar de dizer coisas como ‘ela lutou até o fim’ ou ‘ele lutou até o fim contra o câncer’, porque, quando eles morrem, você é obrigado a dizer ‘eles perderam a batalha para o câncer’. Então, no fim, você acaba dizendo que eles são perdedores. Eles são perdedores só por que morreram? E quais foram suas escolhas? Você já pensou que se todos nós vivêssemos para sempre ninguém mais poderia ter bebês? Não haveria espaço. Morrer é necessário. É importante. É uma merda. Assim, quando a gente morrer, não nos critiquem. Basta dizer: ‘adeus. Obrigado. Você não é um perdedor.” – Cathy