Em 2001, o produtor Simon Fuller estreou, no Reino Unido, o reality show Pop Idol, em busca de um novo ídolo pop. O sucesso em terras inglesas o fez criar um novo programa e levá-lo aos Estados Unidos. Baseado em sua criação original com algumas adaptações, Fuller estreia, em 2002, aquele que seria um dos reality shows de maior impacto para a cultura pop norte-americana.
American Idol foi, por quase uma década, o programa líder de audiência, que colocava em frente à TV, em média, 30 milhões de norte-americanos toda semana. Para se ter uma ideia, nem as séries de maior sucesso atualmente, como Game of Thrones e The Walking Dead, chegam perto da monstruosa audiência de Idol. Durante seus três meses de exibição, as emissoras concorrentes tinham a certeza de que suas séries amargariam números baixos. Além disso, diferentemente de outras competições musicais, o programa criou, de fato, cantores que alçaram fama mundial, ganhando Grammys e transformando-se, se não em ídolos, em pessoas influentes no mercado fonográfico.
Em sua 15.º e derradeira temporada, American Idol já não tem nem metade do fôlego que tinha no começo, mas segue apostando firme no que fez do formato um verdadeiro fenômeno: a fabricação de um ídolo. Desde sua estreia, Idol trabalha com o imaginário, mergulhando fundo no patriotismo americano de forma nada sutil, ainda que, com a mudança dos jurados nos últimos anos, o discurso tenha perdido a força. Bandeiras aparecem ao longo dos episódios, frases sobre a pátria são proferidas incansavelmente e os candidatos são mostrados sempre de forma heroica, para que o povo acompanhe a jornada e, ao fim, decida quem será o novo ídolo da nação. O discurso soa forçado – e realmente é -, mas funcionou, ao menos nos Estados Unidos.
American Idol teve versões em diversos países, mas nunca chegou a ser um fenômeno como o original. No Brasil, Ídolos fez relativo sucesso no SBT (entre 2006 e 2007) e depois na Record (de 2008 até 2012), mas chamou mais a atenção pelos candidatos bizarros do que pelo sentimento de identificação por aqueles participantes que passavam pelas fases do reality.

Para quem não conhece o formato, American Idol conta com um painel de jurados que criticam constantemente as performances de todos, mas diferente da maioria dos realities musicais atualmente, não são tutores dos candidatos. No início, eles viajam para várias cidades norte-americanas em busca de pessoas talentosas. Essas fases, nas primeiras temporadas, geravam inúmeros candidatos que cantavam mal. O ridículo, como sempre, era bastante apreciado na televisão.
Com o passar dos anos, os produtores resolveram focar mais nos participantes talentosos e que tinham uma história de vida interessante para o programa. Cerca de 10 a 60 pessoas em cada cidade são escolhidas para a próxima fase, em Hollywood. Uma vez em Hollywood, os candidatos se apresentam individualmente ou em grupos, na fase mais dramática e interessante do programa, já que todos acabam treinando madrugadas a fio, brigam entre si, lutam para conseguir um grupo em que a voz de todos se destaque, decidem qual música vão cantar e começam a ter uma amostra do quão estressante a carreira pode ser. Depois de diversas eliminações, os jurados escolhem 24 candidatos para se apresentar individualmente. Desses 24 participantes, 12 são escolhidos para o voto público e a competição, de fato, começa.
Originalmente, o time de jurados de American Idol contava com o produtor Randy Jackson, a cantora Paula Abdul e o produtor Simon Cowell, memorável até hoje. Assistir ao julgamento de Cowell era interessante porque o jurado não tinha medo ou receio de criticar. Comentários como ridículo, medíocre, uma perda de tempo, ou conselhos para que os norte-americanos jogassem a televisão pela janela após ouvirem certos candidatos, era recorrente. E embora Cowell deixasse tudo mais divertido (e cruel), era dele o respeito dos candidatos, já que ninguém mais parecia entender melhor a diferença entre ser um cantor e ser um ídolo.
Ídolo, sejamos honestos, extremamente fabricado. Mas o programa jamais escondeu isso, pelo contrário. Embora o público norte-americano tenha coroado bastante a diversidade, as opções eram sempre parecidas: artistas pop genéricos que deveriam seguir as regras pré-estabelecidas do show business. Isso gerou polêmica quando o programa começou a ser criticado pelos próprios ganhadores, que reclamavam do excesso de controle da produtora do programa sobre a carreira, sobre as músicas e sobre faturamento de álbuns e shows.

Porém, é na força narrativa do programa que o sucesso se justifica. Assim, American Idol trabalha, ainda hoje, com os valores norte-americanos. Se você se comprometer, trabalhar duro e com muita dedicação, vai conseguir alcançar seus objetivos. Com uma edição bastante competente, Idol soava autêntico. O programa, de fato, trouxe pessoas relevantes à indústria. Kelly Clarkson, de longe a mais bem sucedida, venceu sem nunca ter ficado entre os menos votados. Sua música da vitória, A Moment Like This, desbancou os Beatles, sendo a faixa a subir mais rapidamente nas paradas da Billboard, de 52.º para o primeiro lugar. Seu álbum de estreia, Thankful, vendeu 2,7 milhões só nos EUA. O segundo, Breakway, deixou Kelly conhecida mundialmente e a fez se desvencilhar da figura “vencedora de reality show” para uma das cantoras que mais vendeu em 2004, com 15 milhões de cópias em todo o mundo. No total, Kelly Clarkson já foi indicada a dez prêmios Grammys e este ano concorre em duas categorias. Tudo isso 15 anos após ter vencido o American Idol.
É na força narrativa do programa que o sucesso se justifica. Assim, American Idol trabalha, ainda hoje, com os valores norte-americanos.
Outros ganhadores não fizeram feio. Carrie Underwood, da quarta temporada, se transformou em uma cantora country de respeito, ganhando diversos prêmios ao longo da carreira – só de Grammy são sete. Já Fantasia, da terceira temporada, já foi indicada 11 vezes ao Grammy. Mas o interessante mesmo são os candidatos que não ganharam e obtiveram sucesso igual ou bem maior do que os vencedores, tanto na música quanto em outras artes. Katharine McPhee participou da série musical Smash e hoje faz parte do elenco de Scorpion. Chris Daughtry, não muito conhecido no Brasil, já vendeu mais de 9 milhões de álbuns nos EUA. Jennifer Hudson saiu da competição cedo demais (ficou em sétimo), mas já venceu o Globo de Ouro e o Oscar de melhor atriz coadjuvante. Adam Lambert (segundo lugar da 8.ª temporada) ficou conhecido mundialmente por ter participado da turnê comemorativa do Queen ano passado.

A popularidade de American Idol começou a cair em 2009, com a saída de Paula Abdul. Ellen DeGeneres entrou no lugar de Paula e foi, surpreendentemente, uma péssima jurada. As coisas pioraram no ano seguinte, com saída de Simon Cowell. Idol, então, sofreu um baque ao tentar substituí-lo, ao mesmo tempo em que os produtores procuravam deixar o formato mais interessante. Com apenas Randy Jackson da formação original, que mais irritava do que julgava, as coisas melhoraram um pouco com a entrada de Jennifer Lopez, Steven Tyler e Keith Urban. Mas em 2013, Mariah Carey e Nick Minaj substituíram os dois primeiros e fizeram feio. Com brigas de ego nos bastidores e nos programas ao vivo, os candidatos não importavam mais, Maria Carey saiu falando mal do programa e o público já não se convencia. Desde a décima temporada, nenhum dos candidatos fez sucesso relevante.
A audiência, cada vez mais baixa, coincide com o ultrapassado discurso do “ídolo de uma nação”, que parece não colar mais, especialmente com o YouTube apresentando um novo talento a cada dia. American Idol surgiu em uma época em que a crise fonográfica já era grave, mas não existia streaming, Facebook ou Twitter. Tínhamos, no máximo, o My Space. Dessa forma, participar do Idol era quase como a grande e única chance de se tornar conhecido, algo que os jurados repetiam incansavelmente. Hoje, existem, além de outros programas com formatos parecidos, formas de comunicação e interação que alçam pessoas comuns ao estrelato em apenas algumas semanas.
Ironicamente, American Idol se tornou um programa mais interessante depois da volta de Jennifer Lopez, Keith Urban e a entrada de Harry Connick Jr. Os três não sentem o menor prazer em ridicularizar os candidatos, forçam menos a barra no patriotismo, parecem não ligar muito para o que a América espera de um candidato, escolhendo pessoas que não se encaixam exatamente no padrão “ídolo norte-americano”. Os três não dão conselhos vazios (como bem fez por anos Paula Abdul) ou utilizam da crueldade (como Simon Cowell fazia com prazer). Ao invés disso, dão conselhos técnicos e, ao menos em frente às câmeras, parecem extremamente comprometidos com o trabalho de julgar cada um dos participantes, especialmente Jennifer Lopez.
American Idol, enfim, termina daqui a dois meses deixando um legado, não apenas por causa de seus números impressionantes, mas por ter tido o cuidado de humanizar seus candidatos, ao menos em suas últimas temporadas. Além disso, abriu espaço para outras competições musicais que hoje fazem sucesso. Foi praticamente o único reality a produzir cantores que foram direto para as rádios do mundo todo, diferente de The Voice, hoje o programa mais popular com a mesma proposta, mas que não consegue alçar ninguém ao estrelado mundial – e o programa já se encaminha para sua 10.ª temporada nos Estados Unidos.
American Idol pode não viver mais seus tempos áureos, mas pode sair de cena com a sensação de missão cumprida. Com mais acertos do que erros, o reality termina sendo um dos mais relevantes programas para a indústria cultural norte-americana.