Estamos chegando ao fim da décima quinta temporada do Big Brother Brasil e, diferente de todas as previsões, o programa não parece ter esgotado sua função primordial: segue preenchendo as conversas semanais com polêmicas, palpites, reclamações e debates diversos. A sobrevida deste programa – que por muitos é considerado a pior coisa que a televisão poderia ofertar – levanta pistas interessante sobre nós, consumidores de mídia. Afinal, do que falamos quando comentamos o BBB, e por que um formato tão simples continua repercutindo tanto?
Isto me remete ao já longínquo início dos anos 2000, quando a franquia do Big Brother, já testada em vários países, chega no Brasil. Baseada na promessa de mostrar pessoas vivendo a “vida real” em um ambiente artificial, BBB vingou sob a pecha de ser um programa sobre nada (o que curiosamente lembra Seinfeld, o sitcom de humor que angariou fãs no mundo inteiro ao fazer graça sobre as pequenezas do cotidiano).
Rejeitado tanto pelo público (nunca foi “cult” assistir ao BBB), quanto pelo ambiente acadêmico (que, teoricamente, deveria se interessar por tudo o que tem repercussão pública), a “casa mais vigiada do Brasil” resiste, sobretudo, pela perspectiva de que haja um esquecimento da câmera pelos participantes e que eles revelem algo raro, ao menos para os holofotes televisivos. Ou seja, num ambiente em que tudo é filmado, registrado e disponibilizado ao público (mesmo sob edição, não importa), BBB possibilita que nos tornemos “detetives” à procura de algo. Mas do que propriamente?
O Big Brother, portanto, se torna um prato cheio para o público, visto que somos verdadeiros detetives em busca daquilo que consideramos mais essencial e humano.
Na clássica obra O declínio do homem público (Companhia das Letras, 1988), o sociólogo Richard Sennett analisa o processo que entende como a ascensão da sociedade intimista às custas da erosão da vida pública. Ou seja: nos últimos séculos, vivenciamos uma gradativa valorização do privado, do íntimo – da esfera dos sentimentos, daquilo que supostamente é o mais genuíno no ser humano – mesmo quando avaliamos momentos da vida pública. Por exemplo, tendemos a confiar num político menos pelos seus feitos, e mais pelos aspectos que conhecemos de sua personalidade – se ele trai a mulher ou se janta com os pobres se torna de extrema relevância para nós, mesmo que não coincidam, necessariamente, com a eficiência no cumprimento de suas tarefas públicas. Descobrir quem está sendo “si mesmo” é, afinal, uma meta coletiva.
O Big Brother, portanto, se torna um prato cheio para o público, por sermos verdadeiros detetives em busca daquilo que consideramos mais essencial e humano. Nesta edição, estávamos sempre atento aos sinais dos sentimentos de Amanda por Fernando e de Fernando por Aline e de Fernando por Amanda; das insinuações de Rafael por Tamires em uma das festas (era a bebida falando ou será que ele tinha um sentimento reprimido?). Do mesmo modo, estávamos dispostos a verificar o tempo todo a autenticidade do papel de caipira personificado em Cézar, indivíduo quase indecifrável. Afinal, ele é assim tão humilde e simplório quanto se apresenta? Por que então do seu choro não caíam lágrimas? Como “caçadores dos sentimentos”, estamos sempre à procura do homem atrás da máscara (eu me pergunto: há um limite entre a máscara e o homem?), investigando os sinais do que “vem de dentro”, das camadas mais profundas – ainda que sejamos mais como cebolas, com muitas camadas mas sem nada de muito central, como já diz aquela velha teoria.
Da mesma forma, a narrativa do programa artificializa algo também da vida cotidiana: a chamada estratégia do jogo. Aqui demonizadas, as táticas que todos nós, sem exceção, empregamos para nossa boa convivência são agora explicitadas e debatidas. Ou você, caro leitor, realmente que é possível viver em sociedade dizendo tudo o que pensa, ou sem realizar ações já prevendo as reações alheias mais adiante? O funcionamento do mundo social, por meio da metáfora do jogo, é o tema do debate, às custas de alguns participantes, que se tornam vilões ou mocinhos (leia mais aqui). Em uma edição com poucas personalidades marcantes como esta, se destaca como protagonista e vilão o participante Fernando justamente por ter “maquinado” seus passos e os dos outros brothers durante sua estadia da casa, prevendo jogadas a médio prazo. Traduzindo: Fernando se torna um personagem condenável por ter jogado com a mente e não com o “coração” – estratégia imperdoável para nós, incautos convivas nesta sociedade intimista.
Profundamente humano, exatamente naquilo que tem de mais superficial, BBB 15 revela que o formato ainda tem fôlego para outras edições, pois continua servindo para o seu propósito essencial: ser tema de um debate infinito sobre tudo aquilo que nos diz respeito (quem achar que o programa é uma longa discussão sobre nada, favor desligar a TV durante as trocentas mesas redonda de esporte que povoam quase todas as emissoras). Após a final do dia 9, portanto, talvez nos conheçamos um pouco melhor por meio das decisões tomadas enquanto público. Esta chamada “novela da vida real” deve continuar viável para a emissora à medida em que continue falando sobre nós.
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