Há um buraco atualmente na grade da TV Globo pela manhã. Isso pode ter começado em 2022, com a decisão de inversão de dois programas matutinos de perfil mais destinado a mulheres que estão em casa. O Encontro (outrora Encontro com Fátima Bernardes, que passou a ser apresentado por Patrícia Poeta e Manoel Soares em 2022 e, depois, só por Patrícia) foi invertido em seu horário com o Mais Você, programa que Ana Maria Braga apresenta desde 1999.
Na época, a alteração foi justificada assim pela emissora: “a mudança do local de transmissão do programa para a capital paulista vai possibilitar maior sinergia com a produção do Mais Você, em busca de uma pauta matinal mais integrada. ‘Com isso, estamos reforçando a complementaridade dessas produções, cujas equipes poderão trabalhar ainda mais entrosadas'”, destacou o diretor de gênero de variedades, Mariano Boni, em matéria do G1.
Ao longo dos últimos três anos decorridos desde então, pode-se dizer que a atração criada para Fátima Bernardes quando ela resolveu migrar para o entretenimento se desconfigurou tanto que acabou virando uma espécie de Frankenstein em que as partes não se conectam. Quem acompanha a pauta do Encontro, vai notar que os assuntos policiais têm se tornado cada vez mais recorrentes, e Patrícia Poeta é com constância colocada para adentrar em uma editoria que, historicamente, nunca foi de interesse da Globo.
Só que há várias nuances nessa escolha de programação que simplesmente não se encaixam. Para começar, o Encontro ainda mantém o seu cenário leve de entrevista em sofá, enquadramento normalmente explorado pelos matutinos dedicados às donas de casa. Há ainda fofocas de celebridades, cobertura de BBB, e tudo isso é escalonado com enorme facilidade com a exploração de casos policiais que, outrora, pareciam só aparecer nos Brasil Urgente e Balanço Geral mais típicos de outras emissoras.
Nada faz sentido ali, mas o mais complicado é que o programa parece disposto a caminhar para destinos ainda piores.
Patrícia Poeta e o “chá revelação de assassinato”

Na semana passada, um episódio envolvendo Patrícia Poeta e seu programa gerou uma repercussão nacional extremamente negativa. O Encontro embarcou (é claro) na cobertura do assassinato da adolescente Vitória, ocorrido na cidade de Cajamar, no interior de São Paulo. Trata-se de uma tragédia horrorosa repleta de elementos que a tornam um “produto” perfeito para o sensacionalismo: uma morte de uma jovem com requintes de crueldade e várias peças faltando, fazendo com o que o jornalismo tenha pistas novas todos os dias para continuar explorando.
É difícil de entender qual seria o interesse da Globo em investir neste tipo de cobertura policial sensacionalista (além da resposta mais óbvia, que são melhores índices de audiência).
O programa de Patrícia Poeta conseguiu uma entrevista ao vivo na sexta-feira, dia 7 de março, com Carlos Alberto Souza, o pai de Vitória. Um repórter esteve na casa do homem enquanto a apresentadora, no estúdio, fazia interlocuções com o link ao vivo. Em certo momento, ela diz: “acabei de receber a notícia aqui, seu Carlos, que a Polícia Civil disse agora há pouco ter esclarecido o assassinato da sua filha. Foi um ‘crime passional’, segundo a polícia o assassino é um homem chamado Daniel, que tinha um relacionamento amoroso com o ex-namorado da Vitória”. Em seguida, confronta-o para saber se ele conhece esse acusado e o que acha dessa informação.
A entrevista do Encontro foi severamente criticada nas redes sociais, seja por outros jornalistas quanto pelos usuários que dão seus pitacos de forma aleatória. Houve quem a categorizasse, de maneira debochada, de “chá revelação de assassinato”, uma vez que a apresentadora fez que o pai recebesse informações (e o mais importante aqui: reagisse a elas) que deveriam ter vindo até ele pela polícia, em outro contexto.
Matérias que circularam na imprensa afirmam que todo o episódio também traz à tona atritos nos bastidores entre a apresentadora e a direção do programa sobre a decisão de agir de tal maneira. Também aventou-se que a TV Globo orientou Patrícia Poeta a não pedir desculpas à família, de modo a assumir publicamente o erro, optando por tentar fazer a polêmica rumar ao esquecimento.
São muitas questões aqui que iriam além de apenas uma análise. Mas penso que há pelo menos duas que poderiam ser destacadas. A primeira, conforme já explorei, diz respeito à dificuldade do Encontro de achar o seu caminho, transitando de maneira oscilante entre o entretenimento familiar e o policialesco de mais baixa estirpe. É difícil de entender qual seria o interesse da Globo em investir nisso (além da resposta mais óbvia, que são melhores índices de audiência).
Mas chamo também a atenção para algo menos óbvio, que é esse fetiche televisivo pelo ao vivo – o que, ao fim das contas, é o elemento mais essencial desse veículo: a possibilidade de transmitir um fato no exato momento que ele acontece no mundo.
Mas não há fato jornalístico aqui, mas sim apenas a sede de explorar ao máximo que for possível a emoção de um pai ao ser assoberbado pela pior das tragédias, a perda de um filho. Por que a Globo, em pleno 2025, resolve utilizar um link ao vivo para uma entrevista desse tipo?
A marca da maior emissora do país não seria justamente a de jamais utilizar estratégias sensacionalistas desta qualidade, como é feito com tanta frequência pelas emissoras de menor reputação? São perguntas que merecem uma avaliação da própria empresa. Até que isso ocorra, o Encontro poderia talvez ser chamado de Encontro Urgente ou algo nessa linha.
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