Na semana passada, o Twitter ficou em polvorosa quando o apresentador William Bonner postou em suas redes sociais que faria um anúncio importante no Jornal Nacional, na mesma noite. As especulações foram diversas: iria Bonner, a cara à frente do JN desde 1996, se aposentar? Quem iria substituí-lo?
Chegou à noite e, ao lado de Renata Vasconcellos, Bonner anunciou um novo projeto do telejornal. A Rede Globo passará a exibir diariamente momentos de intimidade dos seus jornalistas, como os áudios que eles mandam e recebem de seus parentes durante o trabalho. Conforme anunciado pelo apresentador (veja o anúncio abaixo), a iniciativa, denominada “Fatos e Pessoas“, tem como intuito “desfazer ideias equivocadas que tempos tão difíceis ajudaram a criar na imaginação de muita gente”.
A partir desta quinta-feira (10), nos intervalos da programação, a Globo vai dividir com você alguns momentos da intimidade de nós, jornalistas. Você vai ouvir mensagens de áudio de celular que nós trocamos com parentes nossos, com as nossas famílias. pic.twitter.com/prMjoZjbAQ
— Jornal Nacional (@jornalnacional) June 11, 2021
Basicamente, a ação visa mostrar os momentos de “humanidade” dos indivíduos que fazem as notícias – que, na televisão, costumam exibir-se em posições algo engessadas, “atuando” como profissionais de TV. A performance televisiva, por exemplo, é bem diferente da linguagem típica dos youtubers, que se mostram mais relaxados (muitas vezes, de forma forçada). Por isso, daria até para dizer que essa iniciativa traz alguma rejuvenescida no JN, que segue sendo o telejornal com mais credibilidade do país.
A iniciativa da Globo tem a ver, ao que me parece, com uma tentativa de trazer mais “corporeidade” às instituições, que são classificadas por esse discurso odioso como grandes entidades demoníacas.
Vale ainda dizer que tentar humanizar os repórteres e os profissionais do jornalismo em geral não é exatamente uma novidade no telejornalismo. Há uns bons anos que temos visto este esforço por reforçar vínculos com o telespectador a partir de uma tentativa de torná-lo mais próximo do jornalista, como se fosse quase seu amigo.
Em 2015, escrevi nesta coluna sobre uma espécie de “tiagoleifertização do jornalismo”, ou seja, pela gradativa instalação de uma linguagem jornalística em que o profissional se aproxima cada vez mais da lógica do entretenimento, articulada por meio de uma estratégia de uma suposta intimidade com as figuras do jornalismo. Decorridos 6 anos deste tempo, creio que podemos dizer que esse movimento só aumentou.
A grande questão aqui talvez seja: por que, afinal, o Jornal Nacional faz um esforço para humanizar seus jornalistas? Creio que há várias respostas possíveis. Uma delas diz respeito a uma crise de credibilidade jornalística que se agravou com a expansão da máquina de fake news, que tenta semear a desconfiança quanto ao jornalismo profissional (para saber mais sobre isso, sugiro a leitura de A máquina do ódio, da jornalista Patricia Campos Mello). Esta suspeita quanto às intenções dos jornalistas é algo que tende a se fortalecer com os discursos do governo federal, que demonizam veículos como a Globo e o jornal Folha de São Paulo.
Por isso, a iniciativa da emissora tem a ver, ao que me parece, com uma tentativa de trazer mais “corporeidade” às instituições, que são classificadas por esse discurso odioso como grandes entidades demoníacas, e que funcionariam de uma forma homogênea – a “Globo Golpista”, a “Falha de São Paulo”. Tais expressões reforçam a sensação de que essas empresas são instituições únicas, sem qualquer dissenso interno, e que os profissionais que trabalham nelas são autômatos que apenas replicam ordens. O novo projeto parece querer escancarar o óbvio para quem prefere não acreditar nisso: mesmo empresas de comunicação são formadas por pessoas que discordam concordam, reagem, sofrem.
Por fim, essa parece ser uma tentativa de dar um passo além desse movimento de humanização do jornalismo que já vem se intensificando nos últimos anos. Se antes a emissora buscava investir na exibição da “cozinha” do jornalismo (ou seja, no processo de preparo das notícias, que geralmente fica escondido), agora irá exibir a “cozinha da cozinha” (as “rebarbas” da vida pessoal, como as interações dos repórteres com suas famílias).
Se vai dar resultado neste esperado reforço de credibilidade, só o tempo dirá. Mas algo é certo: se o jornalismo é como uma “linguiça” (pegando carona naquela metáfora batida de que só consome linguiça quem não sabe como ela é feita), as emissoras profissionais, como a Globo, têm sempre a vantagem de poderem ter relativa transparência quanto aos seus processos. Algo que, por exemplo, o “jornalismo” das fake news nunca poderá ter.