O episódio recente do banimento dos integrantes do programa Pânico na Band, no evento CCXP – Comic Con Experience, trouxe à tona uma discussão pertinente em relação à atração televisiva, originada na rádio, migrada para a RedeTV! e, há cerca de três anos, “roubada” pela TV Band. Para recapitular o ocorrido: uma equipe do Pânico esteve presente na Comic Con – tradicional evento que reúne “cosplayers, nerds, gamers, cinéfilos, leitores de quadrinhos e simples curiosos”, conforme descrevem os organizadores – para realizar uma de suas tradicionais coberturas. Uma das pessoas “entrevistadas” (uma moça cuja produção, encarnando um personagem da série Os Jovens Titãs, envolvia ter o corpo todo pintado de laranja) levou uma indesejada lambida de um dos “repórteres”, protestando logo em seguida em redes sociais. As aspas, é bom esclarecer, dizem respeito à dificuldade de empregar termos vinculados ao jornalismo ao formato concretizado pelo Pânico e mesmo de encontrar expressões claras para definir o que ali é feito.
Por consequência, o Pânico foi banido da Comic Con, evento organizado pelo site Omelete, que se pronunciou de forma interessante sobre esta decisão: “Não se trata aqui de discutir limites de humor. A cobertura do Pânico na Band da CCXP 2014, inclusive, foi muito bem-humorada (…). No entanto, assédios moral e sexual são temas seríssimos e preocupações constantes em convenções de cultura pop no mundo inteiro – assim como fora delas. As atitudes do Pânico na Band dentro da CCXP representam um retrocesso que não podemos aceitar. Ninguém pode, não mais.”
Ou seja, neste episódio em específico, o Pânico teria transposto não exatamente o limite do cômico (ou, mais claramente, do que este programa entende pelo cômico), mas teria invadido um contexto errado, proibido. Algumas análises lembraram (veja aqui) que, normalmente, o Pânico se insere em ambientes outros, diferentes da CCXP, como baladas, festas e reuniões diversas de celebridades – deixando subentendido que estes locais seriam mais propensos, ou mesmo merecedores, de receber as avacalhações do Pânico.
Pois bem, mais do que pensar sobre esta cobertura específica do Comic Con, proponho aqui refletir modestamente sobre o tipo de experiência que este programa concretiza. Ler algumas discussões que apontam ao esgotamento do programa (que hoje corre atrás do prejuízo na audiência do horário com o programa Encrenca, que o substituiu na RedeTV!) me remeteu ao auge do sucesso televisivo do Pânico, lá pelo início dos anos 2000. Lembro-me que, nesta época, por um tempo, o grande momento das noites de domingo (sempre modorrentas, não importa o lugar) era parar para assistir aos “assaltos” feitos por Repórter Vesgo e Ceará às festas de celebridades, normalmente esculhambando-as, tomando-as de susto, montando emboscadas para fazê-las vestir as odiosas sandálias da humildade.
Havia ali uma espécie de sentido de subversão social. Vesgo e Ceará protagonizavam a cena enquanto arautos das ideologias populares, desnudando a superficialidade da fama. Mesmo o uso de mulheres “gostosonas”, as Paniquetes, como assistentes de palco, tinha um certo tom de deboche, parodiando o que outros programas fazem desde sempre. Como se denunciassem, de forma bastante hostil, os valores de uma sociedade regida pelo espetáculo. Era quase como se vingassem a todos nós.
Havia no Pânico uma espécie de sentido de subversão social. Vesgo e Silvio Santos protagonizavam a cena enquanto arautos das ideologias populares, desnudando a superficialidade da fama.
Aos poucos, os excessos e a falta de lógica deste discurso da agressão aos “mais poderosos” também começaram a se evidenciar nos muitos comentários em torno do programa, que investiu mais numa estratégia de humor associada ao grotesco, ou seja, de um riso que se associa sempre ao rebaixamento – literal e metafórico – dos envolvidos. Faz isso a partir de remissões a recursos diversos: seja a um discurso associado ao ridículo (humilhações, nojo, escatologia), ao corpóreo (em especial, às piadas que se associam às partes sexuais, às excreções, a tudo que se associa às vísceras), à vinculação ao animalesco, às deformações, entre outros. Vale dizer, é claro, que esta não é uma tendência exclusiva do Pânico, mas um gênero bem típico da televisão (vide, por exemplo, o que faz o Programa do Ratinho desde áureos tempos).
Assistir despretensiosamente aos quadros do Pânico na Band é um desafio interessante, pois é preciso tentar compreender onde se dá a atração ao programa. O programa tem como marca, em todos os episódios, uma edição que preza pelo caos, pela repetição, pela troca vertiginosa de câmeras, pelos cortes bruscos e por zooms que quase simulam uma alucinação. Os comediantes presentes – em sua maioria, ótimos imitadores – emprestam seus corpos para criar um riso que se fundamenta no físico, nas entranhas, na exposição daquilo que, a princípio, jamais faríamos em público.
Vejamos, por exemplo, o “Pânico’s Chef”, uma paródia de MasterChef, da própria Band, um quadro que resta nas atrações do Pânico muito após o encerramento do reality show culinário. Ali, os comediantes simplesmente aparecem comendo (e vomitando) coisas nojentas, num estilo que lembra o programa da MTV norte-americana Jackass, em que os participantes se submetiam às atividades mais perigosas ou humilhantes quanto fosse possível. Ou seja, a experiência do grotesco com o quadro “Pânico’s Chef” pressupõe assumir que, de fato, aquela repulsa exibida pelos atores do programa é real e não simulada.
Alguns comentaristas perguntam-se, com razão, sobre quem seria o espectador do Pânico, e se este jovem presumido à audiência do programa ainda existe. Superado o sentido de subversão – que trazia um certo teor político, embora um tanto contestável, ao programa – resta apenas uma experiência do brutal, do escatológico, do nonsense, da risada que não se liga a nada além dela mesma. A médio prazo, a permanência ou não de Pânico na grade da Band, ou de qualquer outra emissora, talvez nos fale mais sobre o adolescente que hoje habita no país do que efetivamente sobre o programa.
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