Casamento às Cegas Brasil se tornou o tipo de entretenimento irresistível para quem tem o questionável prazer em sentir vergonha alheia. Afinal, a premissa básica do reality show (uma versão brasileira da franquia Love is Blind) é acompanhar homens e mulheres solteiros dispostos a assumir um compromisso sério (nada menos que casamento) sem nunca ter visto a cara do pretendente. Como se, quando desconectado dos aspectos estéticos, o amor pudesse finalmente se pronunciar.
É uma falácia, claro, e um reducionismo besta da dinâmica dos relacionamentos afetivos. Mas a graça está justamente aí: em ver o constrangimento na busca da cara-metade quando envolve outra pessoa que não nós mesmos. Atualmente em sua quinta temporada, Casamento às Cegas: Nunca É Tarde cumpre essa expectativa ao restringir os participantes em um grupo específico: pessoas com mais de 50 anos que ainda estão à procura de um par.
A premissa, em si, é interessante, pois parte do pressuposto de mostrar que, independente da idade, os amantes estão dispostos a se jogar, a começar tudo de novo, e por aí vai. O resultado, contudo, talvez seja mais constrangedor do que a versão original do programa: a temporada tem sido um festival de foras pelos motivos mais rasos possíveis.
Chegar à maioridade – o programa parece nos dizer – não é exatamente uma vantagem no campo amoroso. Casamento às Cegas: Nunca É Tarde parece concretizar aquela frase famosa do humorista Raul Chequer: “tem que acabar o estereótipo do idoso sábio. Com o tempo dá pra acumular burrice também”.
‘Casamento às Cegas: Nunca é Tarde’: as dificuldades do amor nunca acabam
O que os episódios de Casamento às Cegas: Nunca é Tarde nos mostraram até aqui é que os preconceitos seguem rolando soltos com o passar da idade. À primeira vista, poderia-se pensar que as pessoas 50+ estão mais propensas a arriscar (pois, como alguns participantes mencionam, o tempo que resta para ser feliz é curto, etc.). Mas, na prática, o que se viu até aqui evidencia que as neuroses não tendem a arrefecer com o tempo.
A começar, o primeiro aspecto é o etarismo vigente no programa. Claramente, os pretendentes estão levando em consideração o fator número de anos na hora de fazer suas escolhas. Uma das personagens mais marcantes da temporada, a tresloucada Silvia, que tem 62 anos, toma uma decisão posicionando-se numa justificativa “benevolente” de deixar um homem para a colega Fátima, que tem 70, e não teria muitas opções. O resultado da caridade é desastroso em todos os aspectos.
Casamento às Cegas: Nunca É Tarde parece concretizar aquela frase famosa: “com o tempo dá pra acumular burrice também”.
Silvia ainda rivaliza com Lica, uma mulher ultra exigente de 51 anos que supostamente fisga o peixão do programa (o dentista Léo, que é resolvido, sarado e levemente harmonizado).
Não obstante, ela reclama o tempo todo de Léo por não ser muito “intenso” (detalhes das relações sexuais dos dois são compartilhados pela moça), e aceita o flerte que recebe do malandrão carioca Rivo, que era sua segunda opção, o que, de forma muito evidente, é o seu maior arrependimento no programa. Rivo, por outro lado, foi parar com Silvia, a quem odeia. A “Quadrilha” de Carlos Drummond de Andrade passa vergonha perto desse grupo.
Outra curiosidade é o quanto as mulheres do programa performam discursos supostamente feministas que, na boca delas, se reduzem a obviedades e egocentrismo. Ao se confrontarem com os conflitos esperados pelo programa (por exemplo, de que as pessoas ficarão com dúvidas em suas decisões, pois escolhem sem ver nem saber muito sobre o par), muitas tendem a repetir frases como “eu me basto”, ou “eu mereço coisa melhor”. Na concretude dos episódios, normalmente isso acaba expressando menos uma convicção no próprio valor e mais uma dificuldade exagerada em lidar com a rejeição, ainda mais quando ela ocorre em público.
O mais triste, contudo, é observar a postura dos homens que se veem diante das mulheres mais empoderadas. Talvez o caso mais icônico em Casamento às Cegas: Nunca É Tarde seja o da participante Luciana, que se mostrou sem dúvida como a mais livre e despachada entre todas. Luciana declarou-se bissexual, manteve conversas picantes com vários caras e deixou claro para todos eles as suas preferências no sexo. Cobiçada por vários participantes por conta de sua franqueza, ela acabou fechando com Mário Sérgio.
Quando finalmente estiveram frente a frente no ritual clássico do programa de troca de alianças (só a partir daí, depois do sim, é que os nubentes passam a ter alguma convivência), Mário Sérgio rejeitou Luciana, sem muita sutileza, por óbvia gordofobia.
Pouca gente se salva aqui, mas talvez tenhamos dois personagens irresistíveis: a preparadora de plateia (seja lá o que isso significa) Aidê, uma santa cecilier filha de paraguaios que parece romper com o conservadorismo do resto do elenco, e o produtor de eventos Edmilson, um sujeito que personifica em um único corpo todos os estereótipos de um carioca bon vivant. As suas falas, sempre com subtexto sexual, são uma diversão.
Ambos valeriam uma temporada completa. Mas, como isso não é possível, vale a pena conferir Casamento às Cegas: Nunca É Tarde até como uma forma de reflexão sobre o que não fazer caso você esteja procurando um parceiro ou parceira. Fica a dica.
Um último comentário: há um episódio reservado apenas a reacts de celebridades da internet que assistem aos episódios do programa. Fora uma exceção ou outra, resta a percepção de que nem todo mundo que é engraçado no mundo online é também na televisão.
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