Club de Cuervos chegou pelas beiradas, sem muito alarde, e foi desta maneira que chamou a atenção. Somava ainda o fato dela ser a primeira produção da Netflix produzida e filmada fora dos Estados Unidos, isso tudo sem falar uma sílaba sequer em inglês. Acontece que nada disso foi suficiente para alavancar os números de audiência da série, que apenas nos últimos instantes acabou ganhando uma segunda temporada, estreada no final de 2016.
É bom lembrar – ou explicar a quem não saiba – que os norte-americanos não têm hábito de consumir produtos televisivos ou cinematográficos que não estejam em inglês. É uma rejeição que já faz parte dos hábitos culturais do país, e que leva com frequência a adaptações, caso o produto caia no gosto da crítica e que encontrem bom potencial comercial – um bom exemplo disso é The Returned, adaptação da série francesa Les Revenants, apenas para ficar no universo das séries.
Inclusive aqui no Brasil, Club de Cuervos não cativou tanto o público, mesmo sendo uma série que aborda o universo do futebol. Contudo, a produção tinha seus méritos, em especial por demonstrar, como se diz popularmente, que “nunca é ‘só’ futebol”. A notícia da renovação para uma segunda temporada deu a esperança que a série poderia deslanchar e arrebatar corações – ora, se Narcos conseguiu, porque Club de Cuervos não seria capaz?
Mas algo se passou entre agosto de 2015 e dezembro de 2016. Talvez cientes de que a audiência não era boa e tendo sido pegos de surpresa pela renovação mesmo assim, o o time de roteiristas caprichou em desconfigurar a série e a maioria dos pontos fortes que o programa possuía. Desta forma, a segunda temporada de Club de Cuervos é caricata, tropeça várias vezes no lugar comum e, provavelmente, soterra qualquer possibilidade de uma sequência (ao menos digna).
Todas as reflexões sobre o universo obscuro do futebol, suas corrupções, a lavagem de dinheiro, a escalada social, o machismo e homofobia parecem ficar apenas como uma longínqua memória.
Aitor Cardoné (Alosian Vivancos), personagem emblemático na primeira temporada, vira apenas uma figura pontual em alguns dos 10 novos episódios. Todas as reflexões sobre o universo obscuro do futebol, suas corrupções, a lavagem de dinheiro, a escalada social, o machismo e homofobia – todas em primeiro plano com os inúmeros escândalos recentes na Fifa, Uefa e Conmenbol – parecem ficar apenas como uma longínqua memória. Em contrapartida, Chava (Luis Gerardo Méndez) e sua meia-irmã Isabel (Mariana Treviño) tornam a ficar às turras, sendo a disputa de ego entre eles o motor deste ano.
A temporada inicia em uma nova situação: os Cuervos de Nova Toledo caíram para a segunda divisão mexicana. Patrocinadores, incentivo do governo local, tudo começa a minguar, e Isabel, agora no posto de presidente do clube, procura mecanismos para fazer com que o clube que herdou de seu pai siga grande. Se esta nova dinâmica poderia, por exemplo, servir para aprofundar o debate sobre as enormes discrepâncias entre divisões e clubes, realidade recentemente criticada por inúmeras associações do mundo do futebol, ou debater mais o universo machista do futebol, infelizmente não passam de uma possibilidade.
Parece que Gaz Alazraki e Mike Lam, criadores de Club de Cuervos, foram buscar inspiração nos estereótipos e clichês eternizados pelas novelas mexicanas exibidas no SBT: melodramas que tratam de traições, ganância e sede de vingança. Nem sempre é fácil dizer isso, mas por vezes parece que nem a própria Netflix é crítica o suficiente a suas produções.
Ainda não é possível afirmar se a série ganhará uma terceira temporada, ainda que o final tenha deixado essa possibilidade em aberto (seria até estranho que ela não voltasse, tendo deixado tantas pontas soltas), mas é preciso chegar aos ouvidos da dupla de produtores que, às vezes, é melhor pendurar as chuteiras quando se está no auge para ser eternamente lembrado assim. E, bem, Club de Cuervos já não está no auge.