Poucos programas televisivos me parecem tão indescritíveis quanto o De férias com o ex – Celebs, da MTV Brasil. Por isso mesmo, ele é fascinante: é um reality show sem qualquer objetivo, a não ser a convivência entre jovens bombados, tatuados e aparentemente sem ocupação profissional. É, basicamente, uma atração que visa espiar a “realidade” (entre muitas aspas) da convivência destas donzelas e mancebos em alguma praia paradisíaca do Brasil.
Para quem nunca viu, é até difícil explicar. O programa reúne jovens adultos (os mais velhos devem ter no máximo 30 anos) em uma maravilhosa casa isolada na praia, cheia de regalias, onde curtem festas regadas a álcool. Não é uma competição, e não há um prêmio. A única tarefa que eles têm é aproveitar – preferencialmente, uns com os outros. De tempo em tempo, uma “tensão” acontece: eles devem ir até a orla e de lá, oriundo das águas, o ex-namorado/a de algum deles surge e entra na casa. Portanto, eles passam a ter que manejar toda essa curtição com os dramas levantados pelo fato de que agora convivem também com um ex-pretendente.
E é aí que se justifica o título que dou a esse título: tem algo de exótico, de voyeurístico na espiadinha na convivência alheia – especialmente quando este outro é um millenial, um jovem que acredita ter o mundo ao alcance de suas mãos, e se sente no direito (e mesmo no dever) de realizar todos os prazeres que estiverem ao seu alcance. Ou seja, De férias com o ex é uma celebração apoteótica do hedonismo, e o programa nada mais é do que a oportunidade de assistir, de camarote, à lógica desta juventude regada por muita bebida, curtição e atravessada pelos amores líquidos da contemporaneidade, tal como uma citação de Bauman. Temos aqui, portanto, quase a experiência de ir a um zoológico no qual assistimos, estupefatos, às brigas, às confusões e, claro, à libertinagem sem fim destes candidatos a umas boas férias na praia.
Essa é a primeira temporada que acompanho deste programa e, creio que como acontece com a maior parte dos espectadores que já passaram dos 30 anos, minha primeira reação foi de choque. Inevitavelmente, coloquei-me na pele dos pais desses pós-adolescentes que se “vendem” para um programa da MTV em troca de uma visibilidade em rede nacional e, é claro, dos prazeres carnais que são oferecidos. As cenas exibidas replicam encontros de todos com todos, bebida alcoólica praticamente durante o dia todo e cópulas eventualmente ocorridas no mesmo quarto em que todos dormem. Tudo é filmado e exibido. A impressão que dá é que De férias com o ex faz qualquer um se sentir tão conservador e moralista quando nossa famigerada ministra Damares. Cada episódio do programa faz ecoar à mente a famosa máxima de Bernard Shaw: “a juventude é desperdiçada no jovem”.
O reality é quase como um comentário debochado acerca de nossa linda juventude, e acerca dos valores compartilhados hoje por todos nós, se formos sinceros.
Mas aos poucos o impacto inicial se dissipa, e fica claro que o reality é quase como um comentário debochado acerca de nossa linda juventude, e acerca dos valores compartilhados hoje por todos nós, se formos sinceros. Os conectados participantes do De férias com o ex, de alguma forma, simbolizam preceitos já bem arraigados na sociedade. Por exemplo, a certeza de somos atravessados por um niilismo latente, uma descrença generalizada de que pouco mais importa nesse mundo, e por isso é preciso aproveitar cada segundinho de prazer que tivermos à disposição; a convicção de que a internet é hoje um grande campo de trabalho e por isso a visibilidade digital deve ser sempre priorizada (as “celebs” que dão título à temporada são, na verdade, digital influencers, pessoas famosas em redes sociais apenas por serem famosas); e, por fim, a evidência final de que há muita verdade naquele provérbio que diz que a “mente vazia é o laboratório do diabo”. Sem muito mais o que fazer, os millenials enchem seu tempo com as preocupações mais inúteis possíveis – tal qual também fazíamos quando não havia contas para pagar.
No que diz respeito à narrativa do reality, há pouco a dizer. São tantas pessoas na casa que é difícil acompanhar quem é quem. É mais fácil dar apelidos estereotipados (o japonês, a ruiva, a loira, aquele que ficou com fulana, aquele que nunca tira os óculos escuros, etc.) do que de fato conhecê-los. A quantidade de “personagens” também impossibilita que eles se desenvolvam nos episódios, exceto quando se envolvem em brigas – que é, bem no fim, a trama do De férias com o ex (fulano desrespeitou ciclana quando ficou com beltrano? Mas afinal, num reality hedonista, que em muitos momentos se resume a uma grande orgia, alguém deveria ficar ofendido com alguém? Existe uma ética cabível aqui?).
Se tudo isso parece muito moderno e vanguardista, não se engane. Como bem constatou a participante Hana Khalil (que é ex-BBB e parece ser a única com alguma substância), o programa carrega uma visão de mundo heteronormativa, ignorando qualquer espaço para a diversidade, seja sexual, racial, etc. O “bordão” repetido pelos participantes nessa edição – “vamos lamber todo mundo” – só vale se não envolver os homens, é claro. Em suma, se formos analisar com cuidado, De férias com o ex – Celebs celebra a libertinagem, desde que bem configurada ao desejo masculino heterossexual – o que não se distancia daquela visão de mundo do povo que defende os valores da “família tradicional”.
E se tudo isso parecer muito próximo de uma visão do apocalipse, o De férias com o ex – Celebs escancara uma realidade: todos nós, algum dia, já fomos parecidos com esses jovens e já desejamos não ter nada mais a fazer da vida a não ser aproveitar. Agora só resta a nós, espectadores, contemplar esse “turismo” da juventude.