A nova novela das sete da Rede Globo, Deus Salve o Rei, completou sua segunda semana de exibição. E após a forte expectativa criada pela divulgação massiva da emissora, a trama está mostrando que, apesar de uma grandiosa produção, não é tudo isso.
O enredo buscou um público que normalmente não consome folhetins: os fãs de produções épicas. Mas isso pode ter sido um tiro no pé, já que, por se passar no período medieval, é impossível não comparar com o sucesso Game of Thrones, da HBO. Mas agradar aos fãs da aclamada série não é uma tarefa fácil – afinal, estamos falando apenas da atração de TV de maior sucesso mundial.
A história central de Deus Salve o Rei gira em torno de um acordo de paz entre dois reinos fictícios: Montemor e Artena – um usufrui da água do outro, que, em troca, cede ferro. Montemor era comandada pela rainha Crisélia (Rosamaria Murtinho) mas, após sua morte, um de seus dois netos assumirá o trono: Afonso (Rômulo Estrela), herdeiro por direito, mas que está apaixonado por Amália (Marina Ruy Barbosa), uma plebeia; ou Rodolfo (Johnny Massaro), um príncipe fanfarrão que quer mais é curtir a vida. Em Artena, o rei é Augusto (Marco Nanini), pai da ambiciosa Catarina (Bruna Marquezine), que quer rever o acordo com Montemor e planeja uma batalha.
A escolha do elenco seguiu a lógica do que foi feito em Novo Mundo, colocando atores da nova geração com papéis de destaque, contracenando com artistas já consagrados. Destes, Johnny Massaro rouba a cena, entregando uma atuação brilhante – mesmo que várias características do atual personagem do ator lembrem o seu último trabalho na TV: o maluco Geraldinho Bulhosa, da série Filhos da Pátria. Mas a semelhança não compromete o trabalho.
O príncipe inconsequente e mulherengo é o responsável pelo humor destes primeiros capítulos, preparando terreno para a entrada de Tatá Werneck, no papel de Lucrécia. Ela será a esposa de Rodolfo, escolhida à distância por meio de pinturas de mulheres nobres da época enviadas ao reino – o retrato dela não será nada fiel à realidade, em uma alusão aos aplicativos de paquera. Será uma parceria interessante de acompanhar.
Apenas Bruna Marquezine está se saindo mal. Ao tentar soar arrogante, cruel e sensual para dar vida à sua primeira vilã, a atriz abusa da falta de expressão. Ela chegou a comentar a respeito das críticas que vem recebendo do público a respeito de sua atuação robótica, dizendo que sua performance está mais contida devido ao tempo em que se passa a trama e pelo fato de os atores não poderem usar gírias nem sotaques.
Entretanto, apesar de afirmar que se identifica com Catarina, por esta ser uma mulher altiva e que não teme fazer o que for para conseguir o que quer, a atriz confessou ao portal Notícias da TV que antes de começar a gravar chegou a procurar os diretores da novela para falar que não se sentia capaz de dar vida à personagem e quase desistiu, mas foi estimulada por eles a agarrar o papel.
Esperamos que essa transparente insegurança de Bruna na pele de Catarina suma no decorrer da trama, que ela consiga achar o tom da sua personagem e atue com mais confiança. E já que estamos falando da atriz, vale citar que em outro trecho da entrevista, Marquezine disse que se inspirou em GoT. “Eu sou viciada, muito apaixonada. Aí acaba sendo uma das minhas referências”.
O autor da trama, Daniel Adjafre, nega as possíveis semelhanças e diz que as referências são do imaginário medieval em geral, todas as histórias de cavaleiros, Robin Hood, etc., não algo específico. Porém, intencional ou não, qualquer coisa atual ambientada nesse imaginário vai ser comparada e, por isso, tem que ser muito bem executada.
Claro que sabemos que não dá para apresentar algo similar aos acontecimentos da série da HBO às 19h. O horário não permite gargantas cortadas, cenas de sexo e rituais macabros. Mas também querer enfiar personagens impecavelmente arrumados e limpos em uma história ambientada na Idade Média, onde a sujeira e a falta higiene eram comuns, é forçar um pouco a barra.
Deus Salve o Rei tem ingredientes para ser um bom folhetim: tem romance, aventura e ação. Só que no quesito “período medieval”, apesar deste fazer com que a novela tenha um ar de novidade, é preciso acertar o tom.
O excesso de seriedade chega a parecer paródia e provoca humor de forma involuntária – um problema que a concorrente Belaventura, da Record, também enfrenta, em maior escala até. É verdade que há um pouco de humor na trama, como já citamos, entretanto, até agora, o foco da novela parece ser uma mistura de drama com romance açucarado, divergindo dos enredos das suas antecessoras na grade.
Mas não podemos ser injustos. Com direção artística de Fabrício Mamberti, em quesitos técnicos, a telenovela dá um show. A Rede Globo investiu pesado em efeitos visuais: ao todo, são 100 profissionais envolvidos na produção dos reinos fictícios, que são uma mistura de imagens captadas em diferentes países, com efeitos computadorizados. Em comparação com a rival da outra emissora, é preciso admitir que Deus Salve o Rei tem muito mais qualidade.
Outro ponto positivo é trilha sonora: é bem construída e representa bem o contexto da atração. A faixa de abertura, por exemplo, é a canção “Scarborough Fair”, interpretada pela cantora norueguesa Aurora. E já que falamos na abertura, vale citar também que ela é magnífica (veja aqui). Outra música que podemos destacar é a canção tema do casal Amália e Afonso: “Watch it all fade”, de Gavin James.
Deus Salve o Rei tem ingredientes para ser um bom folhetim: tem romance, aventura e ação. Só que no quesito “período medieval”, apesar deste fazer com que a novela tenha um ar de novidade, é preciso acertar o tom. A trama tem qualidades e condições de fazer sucesso, porém, ainda não convence. Mas ainda não completou nem um mês de exibição, vamos esperar para ver!