Não há qualquer novidade em dizer que o governo Bolsonaro busca sustentação pública explorando uma estética da simplicidade, em que o presidente tenta, a toda chance que tem, posicionar-se como um homem simples, “gente como a gente”. Pegando carona na discussão trazida por Eliane Brum, diria que Bolsonaro organizou uma comunicação que o sedimenta enquanto homem ordinário, que fala o que vem à mente e que abre mão de protocolos de formalidade. Por mais espontâneo que possa soar, suas aparições públicas evidenciam uma performance, que mal disfarça uma forte estratégia de comunicação que é bastante eficiente em uma boa camada da população.
Curiosamente, o discurso do “homem simples” se conjuga de uma forma paradoxal com o discurso do “mito”, configurado por meio de imagens e frases que colocam Bolsonaro como uma espécie de herói num cenário apocalíptico e que teria subido ao poder para resgatar um Brasil arrasado pelos anos de governos petistas. Justamente por ser orquestrada em uma linguagem extremamente simplista, esta estética também costuma convencer uma boa parte do eleitorado brasileiro (para entender o funcionamento desta estética, recomendo fortemente este vídeo do canal Meteoro Brasil).
Mas Bolsonaro talvez seja bruto demais para se adequar ao papel de um mito absoluto. Por isso mesmo, seu governo busca colar no apoio recebido por um “herói”, construído durante anos com o apoio (voluntário ou não) da imprensa nacional: o ex-juiz Sergio Moro, o mais popular entre os seus ministros (provavelmente por ser mais o midiático entre eles). Moro, como bem sabemos, estabeleceu-se publicamente como o “justiceiro” por trás da Operação Lava Jato, que seria a responsável por varrer a corrupção do Brasil, abrindo assim o caminho ao “homem simples” para que faça o seu prometido papel de limpar “tudo isto que está aí”.
Mas em menos de seis meses de governo Bolsonaro, uma bomba já apareceu para abalar a reputação de seu “herói sem capa”: uma série de reportagens publicadas pelo portal The Intercept Brasil revelou trocas de mensagens de celular realizadas entre Sergio Moro e promotores da Lava Jato que sugerem transgressões éticas e legais nos processos, favorecendo a promotoria e promovendo tudo, menos julgamentos justos. Algo que meio que todo mundo sabia, mas sobre o qual não se tinha provas. É, claramente, um escândalo político, repercutido mundialmente, e que pode, inclusive, levar à queda do popular ministro.
Frente a isso, cabe a essa coluna discutir uma das respostas dadas pelo governo Bolsonaro na tentativa de minimizar o escândalo: a ida do ministro Sergio Moro ao Programa do Ratinho, no SBT. A estratégia encontrada é perfeitamente condizente à tática popularesca de comunicação empregada pelo próprio Bolsonaro, afeito a frases impactantes e raivosas, quase sempre ofertando soluções de foro íntimo em relação aos problemas do seu governo. Por exemplo: ao ser questionado por jornalistas sobre o escândalo envolvendo Sergio Moro, o presidente diz que “olhou nos olhos dele” e encontrou a resposta de honestidade que procurava. Seu raciocínio, portanto, é raso como um pires e apela exclusivamente ao emocional, ao que vem do coração (só para usar um outro clichê).
Quase como um assessor de imprensa do governo Bolsonaro, Ratinho segue tecendo elogios a Sergio Moro, definido como um herói sem capa, parecido com o Superman. Todos os seus comentários são associados ao discurso reacionário vigente.
Neste sentido, não há qualquer estranhamento em observar que Moro topou participar do quadro “Dois dedos de prosa” de um apresentador de televisão muito popular, geralmente associado ao grotesco, ao escracho. Ratinho é um homem milionário, mas que se mostra como simples, do povo – tal qual Bolsonaro. Juntos, Sergio Moro e Ratinho sentaram numa mesa regada não a cachaça, mas a canecas com a marca do programa, e conversaram (pois não foi uma entrevista, mas quase uma conversa de bar) durante quase 50 minutos.
Os impropérios cometidos por Ratinho já repercutiram bastante nas redes, mas não custa relembrar. Para começar, abrem a conversa referindo-se ao ataque de um site criminoso (o nome do The Intercept nunca é citado) ao famoso ministro, mas o assunto dura pouco tempo – a estratégia é, justamente, fazer cara de paisagem e assim tentar diminuir o tamanho do escândalo. Em seguida, o apresentador toma uma ação totalmente irresponsável: menciona que ouviu falar que o tal site seria de um empresário russo e que o esposo de Glenn Greenwald, o deputado David Miranda, teria comprado o mandato de Jean Wyllis. A leviandade criminosa em espalhar fake news sob o disfarce do “ouvi falar” chega a beirar um amadorismo inimaginável a um apresentador tão experiente. A estratégia aqui é a mesma usada por Bolsonaro e seus asseclas: o “envenenamento do poço”, tentando desqualificar o mensageiro (o site The Intercept – que não é nomeado provavelmente por razões legais).
Quase como um assessor de imprensa do governo Bolsonaro, Ratinho segue tecendo elogios a Sergio Moro, definido como um herói sem capa, parecido com o Superman. Todos os seus comentários são associados ao discurso reacionário vigente. De forma debochada, Ratinho sugere que as manifestações contra o governo sejam feitas no fim de semana, para não atrapalhar quem trabalha, além dos manifestantes poderem também fazer um churrasco e tocar pagode durante o evento.
Mas talvez o mais espantoso seja observar a postura de Sergio Moro, encaixado numa missão totalmente incondizente à sua carreira como magistrado. Diferente do que se poderia imaginar, Moro parece confortável, tranquilo – postura usual que mantém ao vir a público – e, sobretudo, envaidecido de ser inundado por uma enxurrada de lisonjas no Programa do Ratinho. Abraçado pela lógica do jornalismo de celebridades, Moro compartilha sem embaraço pequenos relances da sua vida cotidiana, como o seu gosto pelo tênis e a recusa por revelar seu time de futebol.
Completamente adequado ao discurso populista do governo que representa, Sergio Moro coloca a última pá de cal na seriedade de sua reputação ao se submeter ao circo do famoso apresentador. E o mais constrangedor é que ele não parece nada constrangido com isso.