O retorno de The Walking Dead trouxe na mesma medida os elementos que causam o amor quase cego e o ódio por partes diferentes do público. Essa relação tem ficado cada vez mais tensa, e inúmeros são os fatores.
Os que reclamam da série, os fãs mais puristas (geralmente originários dos HQs), são contrários às pequenas modificações feitas na adaptação televisiva: na visão deles, a obra é contaminada, perde a essência e ganha ares apenas comerciais. Encontramos, ainda, os que são corroídos pelas variações de frequência da série, capaz de sair de um episódio de drama extremo para um de imensa calmaria, um típico episódio de cruzeiro levado em banho maria.
Por outro lado, parte do que faz The Walking Dead receber inúmeros elogios também lhe proporciona críticas. Há no público originário apenas na TV um incômodo pela presença de elementos “excessivamente filosóficos” na trama, enquanto outras pessoas acreditam que levar à tevê os dilemas filosóficos acerca do que nos constitui em sociedade, qual o valor da vida, etc, são elementos chave para seu sucesso. Também existem os que ficam incomodados com os inúmeros cliffhangers, aqueles momentos em que a trama leva os personagens a situações extremas, enquanto outra parte do público enxerga aí uma das potências da série da AMC, essa força narrativa que nos deixa arrasados a cada sequência.
Os dois episódios da sétima temporada exibidos até o momento (o terceiro irá ao ar no próximo domingo) conseguiram trazer justamente todos os elementos para amantes e detratores.
Os dois episódios da sétima temporada exibidos até o momento (o terceiro irá ao ar no próximo domingo) conseguiram trazer justamente todos os elementos para amantes e detratores. É inegável que a série é estruturada de forma muito inteligente, e aqui pouco importam suas qualidades e defeitos. Excetuando-se Game of Thrones, The Walking Dead é a única produção capaz de segurar o público por seis meses à espera do desfecho de um “simples golpe”, e sendo uma adaptação na qual o público poderia procurar se inteirar dos acontecimentos para, digamos, estar preparado para o que vem por aí, é louvável a idolatria a ponto de fugir de qualquer spoiler vindo justamente dos HQs.

Depois de quase três temporadas completas em que Frank Darabont e Robert Kirkman tiveram inúmeras dificuldades em manter um nível alto que se espera do show – a saber: a 3ª e 4ª temporadas e a primeira metade da 5ª foram sofríveis – , a dupla recuperou a forma especialmente na 6ª, acrescentando terror, suspense, drama e, sim, muita filosofia. Quanto a isso, é bom que se diga que mesmo não sendo objetivo principal de The Walking Dead, é inevitável tratar de questões que estão no cerne da humanidade em um show que aborda um futuro distópico. A sociedade como a conhecemos acabou. Não há Estado, polícia, exército ou qualquer outra instituição. Fomos todos nivelados à miséria, iguais em termos nada além de nossa consciência e valores, algo em desuso neste novo cenário. Sendo assim, o problema maior dos showrunners é saber dosar a intensidade do drama nos roteiros, equilibrando a série sem variações de humor tão grandes como por vezes torna a ocorrer.
Quem acompanha a coluna “Espanto”, coordenada pelo jornalista e pesquisador de horror Rodolfo Stancki, sabe que no horror/terror nada é tão simples quanto parece. A trama da série trata, sim, de preocupações muito atuais sobre as consequências da modernização, da industrialização, do capitalismo e, inclusive, do fanatismo religioso. O niilismo está impresso nas raízes de muitos personagens, enquanto a explosão dos valores e visão de mundo são pontos centrais em qualquer análise minimamente séria de The Walking Dead.
Ouso dizer que é aí que encontramos o grande segredo de Kirkman e Darabon, a recusa em entregar uma série genérica de terror sobre zumbis e o cuidado em construir uma abordagem à subjetividade como uma distopia da vida moderna. Como aponta o pesquisador e mestre em Sociologia Ricardo Lima, “um dos ímpetos mais incríveis do homem moderno é continuar, apesar de tudo, da dor, do horror, da morte, das guerras e das epidemias”.