Não há dúvida de que Alexandre Herchcovitch está entre os nomes mais importantes da moda brasileira nas últimas décadas. Inclusive, talvez ele seja o grande nome nacional neste setor em termos do sucesso que desenvolveu a partir de linhas criadas para inúmeras empresas de setores que vão da roupa de cama até os uniformes do McDonald’s.
Ou seja, quando falamos deste estilista paulistano de apenas 52 anos (e cujo nome faz sucesso há pelo menos trinta), estamos nos referindo a um gênio dentro de sua área. De alguma forma, é isto que é recapitulando o tempo todo no documentário Herchcovitch; Exposto, da plataforma de streaming Max, tendo como mote o retorno de Alexandre para a sua marca, que foi vendida em 2016, para um desfile.
Ao repassar a sua marca para compradores milionários, a empresa que Herchcovitch criou acabou abrindo mão de sua linha autoral e afastando antigos colaboradores, como Regina, mãe de Alexandre, que esteve ao lado dele na empresa durante todas as décadas de construção. Assim, oito anos após a venda, o retorno seria uma espécie de reentrada apoteótica do estilista na moda brasileira.
A fraqueza do documentário é a tentativa de criar um clima heroico de tensão quanto à volta de Alexandre à sua marca.
A intenção é claríssima e justa: a de reiterar o lugar importantíssimo de Alexandre Herchcovitch dentro da moda e da cultura brasileiras, a partir da rememoração de toda a sua história bem sucedida desde quando ele era um estudante da faculdade Santa Marcelina e chamou a atenção da imprensa com um desfile de formatura repleto de símbolos profanos e com a travesti Marcia Pantera sempre em destaque.
Assim, Herchcovitch; Exposto tem como trunfo o fato de que explora a chance de apresentar às novas gerações não apenas Alexandre, mas toda uma cena underground brasileira dos anos 1990 que foi determinante em tudo que seria desenvolvido nas década seguintes. Refere-se aqui a artistas e produtores de cultura em geral, em boa parte ligados à noite paulistana, e cuja atuação reverberou nacionalmente. Parte dessa história está documentada no livro Babado Forte – Moda, Música e Noite, lançado em 1999 pela jornalista Erika Palomino – não por acaso, uma das entrevistadas centrais do documentário da Max.
Um resgate histórico da moda brasileira
É Erika Palomino quem esclarece como Alexandre Herchcovitch começou a despontar na sua coluna da Folha de São Paulo, chamando a atenção pela forma com que conectava personalidades das ruas – sobretudo as travestis, que eram suas clientes – com o ambiente luxuoso e algo arrogante das passarelas. Suas roupas encontravam cara e corpo nos amigos do jovem estilista, como o host Johnny Luxo, a cantora e modelo Geanine Marques e a própria Marcia Pantera.
Todas essas vozes são ouvidas em Herchcovitch; Exposto, e configuram o ponto alto do filme, em um claro sentido de gratidão. Por outro lado, a fraqueza do documentário é a tentativa de criar um clima heroico de tensão quanto à volta de Alexandre à sua marca – sugerindo, mesmo que de forma velada, que ele tenha perdido tudo que teve e que estaria diante de uma chance de redenção com esse retorno. Sabemos que não é bem assim.
Ou seja, a narrativa vai criando uma sensação de subida rumo a um clímax que não necessariamente se concretiza, uma vez que o estilista nunca deixou de ser uma grande referência no seu ramo. Resta também uma sensação de homenagem acrítica, o que causa certa estranheza ao notarmos que o próprio Herchcovitch dirigiu este documentário, ao lado de Rafael Barioni.
Descontando essa questão, Herchcovitch; Exposto cumpre um importante papel: o de criar um registro vivo da genialidade de um artista brasileiro jovem que segue produzindo, mas cuja relevância histórica nem sempre é lembrada pelas novas gerações. Traz ainda uma sensação algo melancólica de que a moda, hoje dispersa em uma produção regida pela fast fashion e divulgada pela internet, também já foi muito mais impactante.
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