Eu nunca fui exatamente um fã ardoroso de Game of Thrones, mas acompanho a série desde seu início e procuro não criticar gratuitamente. Ou, ao menos, eu tento. É inegável a relevância da produção, tanto por ter elevado o que considerávamos ser possível em termos de superprodução na televisão, quanto por ter tirado de vez a HBO do mercado de nicho.
Hoje, GoT alcança níveis estratosféricos de audiência, bem maiores do que muita série de canal aberto. Embora eu tenha centenas de críticas em relação à série, reconheço que as cinco primeiras temporadas tinham uma qualidade textual e uma direção acima da média, graças ao time de roteiristas, mas principalmente ao texto original de George R. R. Martins, autor dos livros em que a série é baseada. Mas desde o sexto ano, Game of Thrones ultrapassou as histórias contadas nos livros e David Benioff e D. B. Weiss, os responsáveis por levarem a série à TV, puderam experimentar uma liberdade criativa.
Com isso, showrunners e roteiristas tinham um árduo desafio. Respeitar a obra, obviamente com uma certa supervisão de George R. R. Martins, e andar com suas próprias pernas. Infelizmente, com a popularidade aumentando cada vez, a série acabou escolhendo o pior caminho que uma produção pode tomar: o dos fãs. Como bem disse David Simon, criador de The Wire, “Você tem de escrever para si mesmo e para os outros roteiristas. E só isso. Se você for na onda do público, ele sempre vai pedir sorvete. ‘Tem de comer legumes’, você explica. ‘Não, quero o sorvete, me dê mais sorvete. A última vez que você me deu sorvete, eu gostei’. O público é uma criança.” Por isso, a sétima temporada pode ser vista como um ano feito sob encomenda. Afinal, os roteiristas decidiram entregar todos os sabores de sorvete que o público pediu.
Nada disso seria ruim caso tivessem tido um pouco mais de cuidado com o texto, mas não foi o caso. Tanto que até os fãs mais exigente (eu ouvi xiitas?) reclamaram, seja da velocidade com que os personagens viajavam de um reino para outro ou de algumas situações forçadas, tipo resgatar um zumbi para mostrar para Cersei (Lena Headey), esperando que ela cedesse todo seu exército em prol de uma causa maior. Menos conversa e mais batalha? Tivemos muito. Jon Snow (Kit Harington) e Daenerys (Emilia Clarke) tendo um caso tórrido de amor, história sempre citadas em fanfics? Está lá. Teorias conspiratórias se confirmando? Sim. Dragões e zumbis? Foi a temporada deles.
É verdade, no entanto, que o sétimo ano talvez tenha sido um dos mais empolgantes. As cenas das batalhas foram melhores do que muitos longas-metragens por aí, a caracterização dos dragões foi uma das coisas mais bem feitas que eu já vi na televisão e a direção técnica da série continua dando uma aula e elevando patamares. Toda série que ousar utilizar efeitos especiais terá a árdua missão de igualar o nível, assim como as coreografias de lutas e cenas de ação. Mas, veja bem, ainda que seja empolgante essa guinada da série por mais ação, eu entendo a frustração de boa parte do público que viu os roteiristas ficarem cegos pelo gênero de GoT – fantasia, magia e lutas – e esquecerem [highlight color=”yellow”] que nada disso funciona se você não contar uma boa história[/highlight].
Há uma incômoda sensação de que sem o autor dos livros fornecendo as histórias, os roteiristas não sabem mais o que fazer.
Game of Thrones sempre foi menos sobre batalhas e mais sobre a discussão política da guerra, territórios e famílias. Foi isso que conquistou os fãs, tanto dos livros quanto da série. Os dragões e os caminhantes brancos eram elementos utilizados como pano de fundo, ainda que fossem importantes como parte do mundo inconfundível que é a série. Entretanto, desde o sexto ano, os roteiristas renegaram os personagens a meras figuras maniqueístas. Ou pior, esqueceram de dar a atenção devida para pessoas que outrora foram tão essenciais, como Tyron (Peter Dinklage), que virou um mero conselheiro piadista, ainda que tenha ressurgido no último episódio; Mindinho (Aidan Gillen), que teve a função exclusiva de olhar para o lado com cara de quem estava tramando algo tenebroso durante todo o sétimo ano; Bran (Isaac Hempstead-Wright), que voltou apenas para ficar repetindo incansavelmente que é o Corvo de Três Olhos; Sam (John Bradley-West), que curou a doença de Jorah Mormont (Iain Glen) e agora faz umas pontas em determinadas cenas; ou Arya (Maisie Williams), que passou por tanta coisa para ressurgir sendo uma personagem chatinha e levemente invejosa. Resumindo, diversos personagens se tornaram irrelevantes ou ganharam histórias desinteressantes.
Há quem defenda que a série precisava de fato chegar neste patamar, onde finalmente a guerra dos tronos começa. É que Game of Thrones carrega sempre aquela aura imaculada criada pela base de fãs. Qualquer deslize na narrativa é rapidamente justificado, mesmo que claramente o roteiro force a mão em diálogos expositivos e detalhados ou cenas constrangedoras, como aquela de Jon mostrando uma caverna com desenhos de caminhantes brancos, tudo para convencer Danerys de que os zumbis existiam. Ou quando Jaime Lannister (Nikolaj Coster Waldau) sai correndo crente de que vai matar um dragão com uma espada, tudo para criar um gancho clássico de “Será que morreu?”.
Repito: tudo isso funcionaria muito bem caso fosse bem escrito, mas não é. Há uma incômoda sensação de que sem o autor dos livros fornecendo as histórias, os roteiristas não sabem mais o que fazer. E incomoda porque desde o início a série deveria ter pensado em funcionar sozinha.
Nesta reta final, Game of Thrones [highlight color=”yellow”]deixou de subverter as expectativas de seu público para virar uma série clássica de fantasia[/highlight]. Apressada, ilógica e forçada, GoT perdeu sua coerência narrativa. Nesta altura do campeonato, ninguém quer ver uma série lenta demais, mas também ninguém quer ver as coisas sendo feita às pressas. A demora entre uma temporada e outra deveria ser por causa da elaboração do roteiro e não somente pelo esmero técnico.
Nada disso importa para a HBO, é claro. Esta última temporada quebrou todos os recordes de audiência e o último ano provavelmente fará a mesma coisa. Mas é melancólico perceber a fragilidade de roteiristas e da própria HBO, que criaram um nível de excelência invejável e agora não sabem o que fazer com sua própria criação.