A eleição presidencial de 2022 levanta questões que vão além das seríssimas decisões que serão tomadas pelos brasileiros. Estamos também testando as funções de nossos meios de comunicação dedicados à política. Depois do choque ocorrido em 2018, quando o vencedor do pleito era um dos candidatos que menos tinha tempo no horário eleitoral, pudemos começar a nos perguntar: afinal, qual o peso dos tradicionais meios de comunicação de massa, como a TV?
Na segunda-feira, o começo das entrevistas com os principais candidatos no Jornal Nacional pode inspirar novamente este questionamento. Se boa parte da comunicação será novamente distribuída, de maneira descentralizada e tendenciosa, nas redes sociais, talvez reste à TV e ao rádio a função de serem os últimos espaços possíveis para o confronto com os candidatos. Os jornalistas, neste sentido, teriam uma tarefa importante de representar a população neste quesito.
Ao menos do campo do ideal, a TV segue mantendo centralidade neste cenário, uma vez que nenhum veículo de comunicação consegue falar para públicos tão amplos ao mesmo tempo. Se as redes descentralizam, a televisão então centraliza a mensagem. E um espaço tão raro como esse só pode ser usado então para colocar os políticos contra a parede. A política, afinal, é a arena do embate – só que das ideias, e não da animalesca força física.
A entrevista com Jair Bolsonaro
E assim foi feito. Por 40 minutos, o cobiçado espaço do Jornal Nacional hospedou o presidente Jair Bolsonaro e os apresentadores Renata Vasconcellos e William Bonner. A expectativa era altíssima: o candidato, como se sabe, é avesso aos confrontos deste tipo. Aos jornalistas em questão cabe a responsabilidade de prestar um serviço para o país que as redes de desinformação não executam.
Se as redes descentralizam, a televisão então centraliza a mensagem. E um espaço tão raro como esse só pode ser usado então para colocar os políticos contra a parede.
Ou seja, os debates políticos serviriam aqui como um antídoto: só se combate a desinformação (como aquela que é propagada pela máquina do ódio de Bolsonaro) com informação. Teoricamente, não há plano mais eficiente que esse – contra a mentira, o único remédio é a verdade, o desmascaramento.
Mas estes não são tempos simples. Não dá para cravar, assim, que tal ação (confrontar um candidato, evidenciar que ele mente) terá os efeitos pretendidos no público receptor. E mais do que isso: a TV ao vivo carrega um ônus, que é a impossibilidade de editar. Se, por um lado, o pior de um candidato pode chegar à população em tempo real, por outro lado, ele também tem a liberdade de fazer o seu pior, sem a possibilidade de ser cortado.
Isto posto, penso que, querendo ou não, os 40 minutos de Jair Bolsonaro na TV Globo, sua grande inimiga, podem ter sido mais vantajosos a ele do que se pode imaginar. Como algumas análises comentaram, Bolsonaro é uma figura da mídia, mesmo que esteja preparado para explorar o que ela tem de pior. Sua performance ao vivo – repetindo, em boa parte das vezes, mentiras descaradas – já parecia intencionalmente programada para circular em cortes nas redes bolsonaristas.
O pior é que todas as suas mentiras (como, por exemplo, quando nega ter complicado a compra de vacinas contra COVID-19, ou quando afirma que a OMS enxerga o Brasil como um país modelo no enfrentamento à doença) circularam para todo o país, sem a possibilidade de que isso fosse desmentido. Qualquer retificação só pode ser feita em dias seguintes, em outros espaços, o que não tem o mesmo alcance do Jornal Nacional (que obteve neste dia a maior audiência de 2022).
Por isso, é de se pensar se esses momentos do embate político ao vivo (seja em entrevistas ou debates) servirão para convencer quem já não está convencido de alguma coisa. Ou se, infelizmente, os veículos tradicionais de comunicação, que talvez sejam nossa última esperança de um verdadeiro confronto de ideias, também estão rendidos à desinformação bolsonarista – e, potencialmente, de qualquer outro candidato.
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