Um alerta ao leitor antes que mergulhe neste texto: a série tratada neste artigo é baseada em acontecimentos reais. Em virtude disto, fatos de conhecimento público estão apresentados no decorrer do texto, não tendo sido considerados como spoilers.
Lembro-me de ter assistido várias séries policiais com a minha família quando novo: Law & Order, CSI, Cold Case, devorávamos todas elas. Mas fazia já um tempo que eu não as assistia, e com o tempo fui perdendo o interesse no gênero.
Até que, recentemente, fiquei sabendo da existência de Manhunt: Unabomber, minissérie policial de oito episódios produzida pelo Discovery Channel em 2017 e disponível na Netflix. Algumas coisas me chamaram a atenção: primeiro, era uma dramatização de um caso real; segundo, era baseado em um caso sobre o qual eu já tinha certo conhecimento, embora tenha acontecido antes de eu nascer; e terceiro, era curta o bastante para ser assistida em uma semana. Motivos suficientes para eu dar uma olhada.
A série é uma ótima representação de um momento sombrio da história americana.
O caso em questão, se o título não deixou óbvio, é o do Unabomber, nome dado ao terrorista famoso por enviar uma série de bombas pelo correio a diversos alvos nos EUA entre os anos 70 e 90, e também por publicar um “manifesto” defendendo o retorno a uma sociedade pré-industrial. Seus ataques resultaram em três mortes e diversos feridos – e na mais longa e mais cara investigação da história do FBI. É essa investigação, e seu subsequente julgamento, o foco de Manhunt.
A história, porém, é contada em dois tempos, que se alternam durante os episódios. O primeiro, ambientado em 1995, acompanha o protagonista da série, “Fitz” (vagamente baseado no investigador James A. Fitzgerald, e interpretado por Sam Worthington), que começa como um feliz pai de família, até ser chamado pelo FBI para ser o perfilador (profissional responsável por traçar um perfil do possível culpado para ajudar na investigação) do caso Unabomber.
O segundo tempo, porém, se passa dois anos depois: Desta vez, Fitz está vivendo em uma cabana no meio do mato, completamente isolado, até ser novamente chamado pelo FBI para entrevistar o Unabomber – que agora se sabe chamar-se Ted Kaczynski (interpretado por Paul Bettany) – e convencê-lo a se declarar culpado perante o tribunal. Como é que Fitz descobriu a identidade do Unabomber? O que aconteceu para ele se desligar do resto da sociedade? A série te convida a descobrir.
Eis Manhunt: Unabomber: nada de violência, lutas, tiroteios ou qualquer outro elemento padrão em histórias sobre investigações do FBI. Este é um suspense psicológico e áspero. E sendo produzido pelo Discovery Channel, é mais do que psicológico: é científico, mostrando como o FBI (na figura de Fitz) utilizou métodos linguísticos para desenvolver o perfil do Unabomber e chegar a Ted Kaczynski. Sim, linguísticos: é através da análise de seu estilo de escrita que se descobre, por exemplo, que as normas de acordo com as quais ele escreveu seu Manifesto eram usadas para a escrita de teses de doutorado em um período bastante específico, e que sua ortografia corresponde à de um jornal de Chicago, indicando que ele provinha de lá e tinha PhD – fatos que foram mais tarde confirmados com a ajuda inesperada do irmão de Ted.
Mas essa não é a única coisa incrível da série. De um ponto de vista cinematográfico, Manhunt:Unabomber é extremamente cativante, graças não apenas à direção de Greg Yaitanes (que já mostrou seu talento em séries como House e Quarry), mas também ao seu talentoso elenco… Especialmente Worthinghton e, para minha surpresa, Paul Bettany como Ted Kaczynski. Sendo mais conhecido por papeis coadjuvantes em filmes como Uma Mente Brilhante e no universo da Marvel, ele não é exatamente um desses atores que tem uma legião de fãs. Mas em Manhunt, ele brilha como se estivesse concorrendo ao Oscar.
A partir do momento em que somos introduzidos a Bettany, você não duvida que seu personagem seja um homem com inteligência de nível genial e uma alta habilidade de manipulação, capaz de te levar a seu próprio mundo sombrio e te convencer da veracidade de suas motivações… Exatamente o que se esperaria de alguém como o Unabomber. E quando se percebe isso, é difícil não ficar arrepiado, pois se entende não apenas a mente incrível que Kaczynski é, mas também como lhe foi possível enviar bombas a pessoas que ele mal conhecia sem qualquer remorso.
Infelizmente, porém, Manhunt: Unabomber não é exatamente perfeita, e pelo simples motivo de que não é um relato exato da investigação. O que não seria um problema por si só (se eu quisesse algo que não se afasta em nada da realidade, assistiria um documentário), mas uma boa parte da dramatização foi desnecessária: em apenas oito episódios, são tantas as vezes nas quais Fitz vai contra o FBI por este rejeitar suas novas técnicas, e tantas as vezes em que a investigação é atrasada por processos burocráticos governamentais, que fica logo desnecessariamente repetitivo.
Mas embora seu roteiro devesse ter passado por mais um tratamento… Manhunt: Unabomber continua sendo envolvente, intenso, e no geral, uma ótima representação de um momento sombrio da história americana.