Cultuada por leitores do mundo todo, a escritora Elena Ferrante é, sem dúvida, um mito literário importantíssimo no mercado editorial. Não por acaso, há grandes expectativas em torno da adaptação de qualquer uma de suas obras. A mais recente, a minissérie em seis capítulos A Vida Mentirosa dos Adultos, da Netflix, cria uma nova versão do livro homônimo.
Trata-se de um romance de crescimento que acompanha a vida de uma menina, Giovanna, que está às voltas de uma “descoberta” fundamental à passagem para a vida adulta: a de que seus pais, que são intelectuais de esquerda, são menos perfeitos do que a fizeram crer.
Este processo começa a eclodir quando Giovanna ouve, sem querer, uma conversa entre os pais. Ao acompanhar as notas ruins da filha, o pai fala à esposa que Giovanna está ficando igual à tia Vittoria. Esta é a chave para que a menina se interesse pela irmã do pai e queira procurá-la, abrindo assim uma porta para um mundo de pobreza e rancor de classe que foi protegido dela até então.
A obra, tal como os demais livros de Ferrante, segue uma estrutura narrativa simples e fluida, o que é um recurso literário inteligente, pois faz com que uma história densa e repleta de camadas fique acessível ao leitor. O que vemos, no romance, é a complexidade da própria Giovanna, que vai muito além do estereótipo da menina rebelde.
A série da Netflix tem, portanto, o desafio de adaptar uma obra que faça jus à expectativa em torno da autora. O caminho escolhido pelo diretor Edoardo de Angelis aposta no forte tratamento estético sobre a trama, explorando uma fotografia em tons de sépia, e em uma ambientação impecável do início dos anos 1990 (o que é reiterado pela escolha da trilha sonora, que toca até Ace of Base!).
Mas a grande atração de A Vida Mentirosa dos Adultos está, sem dúvida, nas performances das duas atrizes principais. Giovanna (interpretada pela estreante Giordana Marengo) e Vittoria (vivida pela experiente Valeria Golino) dão um show ao remontar a dinâmica de amor e ódio entre a sobrinha e a tia.
A desilusão da vida adulta
Há um ar lascivo no ar, sempre pulsante, ao longo da série – mais do que no livro. Uma voz feminina ecoa em todos os episódios, sempre dizendo a mesma frase: “quando se é pequena, tudo parece grande. Quando se é grande, tudo parece pequeno”. Como um refrão, circunda-se aqui a ideia que talvez seja a mais central de A Vida Secreta dos Adultos: a adolescência é, por si mesma, o tempo das ilusões, em que tudo parece pior do que é.
É justo dizer que os dois suportes – livro e série – são obras quase independentes
Isto se traduz perfeitamente na Giovanna de Giordana Marengo, que está, a duras penas, descobrindo a desilusão de ser adulta. Ela não sabe se é bonita ou feia, se é inteligente ou burra, se é desejável aos homens ou não, se seus pais são intelectuais em prol da causa trabalhista ou apenas hipócritas (isto se ilustra, de maneira brilhante, em uma cena em que bebem champagne enquanto discutem ideias comunistas).
A chave do romance e da série é a mesma: a famigerada tia Vittoria, um dos personagens mais ricos criados por Elena Ferrante. Ela representa uma Nápoles empobrecida e feia, ao contrário da família classe média refinada a que Giovanna pertence.
A partir da tia, o mundo se abre para uma nova possibilidade de vida, mais “suja” em todos os sentidos. A veterana Valeria Golino (musa nos anos 1990, e que mais recentemente fez uma ponta em The Morning Show) rouba os holofotes em todas as cenas em que Vittoria – tão detestável quanto fascinante – aparece.
É justo dizer, contudo, que os dois suportes – livro e série – são obras quase independentes, uma vez que há acréscimos na narrativa da Netflix (como desdobramentos dos conflitos dos pais de Giovanna) e momentos importantes que são suprimidos ou reduzidos (como toda a relação que a adolescente constrói com o brilhante Roberto, por quem está apaixonada, e sua namorada Giuliana).
De todo modo, vista de maneira independente, a série se sustenta em pé, ainda que possa parecer um tanto confusa para quem não leu o romance de Elena Ferrante. Se este é o seu caso, vale a pena ainda mergulhar nos dramas de Giovanna, na fotografia inebriante e nas cenas lindamente filmadas por De Angelis. Preste atenção na originalidade com que ele filma uma cena de sexo no sexto episódio.
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