A minissérie Em Nome do Céu (clique aqui para vê-la no Star+) vai fazer o espectador voltar no tempo. Em 1984, um crime chocou os Estados Unidos, pela crueldade e por envolver a única religião originada em território estadunidense. Os irmãos Ron e Dan Lafferty assassinaram a facadas sua cunhada e sobrinha, esta última de apenas 1 ano e 3 meses de idade.
Ambos pertenciam a uma facção fundamentalista da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, e tiveram a história do crime cometido contada em Pela Bandeira do Paraíso: Uma história de fé e violência (Companhia das Letras, 2003; tradução de S. Duarte), do jornalista Jon Krakauer.
A maestria do trabalho de Krakauer, conhecido como um dos mais brilhantes jornalistas de sua geração, está na forma como conduz suas reportagens, trazendo, com riqueza de detalhes e o distanciamento exgido pelo trabalho, informações que colocam o leitor diante de reflexões, não de julgamentos.
A obra da qual Em Nome do Céu parte tem início no duplo assassinato cometido pelos irmãos Lafferty, mas quer mesmo é refletir a natureza da fé e de que maneira os homens se apropriam dela para manifestar seus próprios radicalismos.
Conduzida por Dustin Lance Black, de Milk: A Voz da Igualdade e When We Rise, e estrelada por Andrew Garfield (A Rede Social), a minissérie, disponível no catálogo da Star+, faz um trabalho semelhante ao livro, mas opta por seguir caminho próprio em alguns momentos, abordando menos (ou dando menos ênfase) a detalhes que estão no livro de Krakauer. Ainda assim, intolerância religiosa, violência, fé, poligamia e pedofilia são abordados, em maior e menor proporção.
Garfiel vive o detetive Jeb Pyre, um mórmon devoto, a quem a fé é um pilar fundamental de sua vida. Seu parceiro, Bill Taba (Gil Birmingham, de Ninguém Pode Saber), é um indígena de origem paiute que mudou recentemente de Las Vegas para Utah.
A dupla, que só existe na ficção, será o fio condutor da trama, em que o papel de Garfield, em especial o fardo emocional de se ver questionando a própria fé, acrescenta camadas dramáticas que tornam Em Nome do Céu dilacerante.
Logo no início, Allen Lafferty (Billy Howle) é preso e apontado como principal suspeito do terrível assassinato de sua esposa, Brenda (Daisy Edgar-Jones, de Normal People), e sua filha. Taba parece querer acusá-lo de imediato, e não tem muita paciência. O histórico de massacre de paiutes conduzido por mórmons parece ter peso em suas atitudes. Pyre faz o papel de mediador, em especial por compartilharem a mesma fé.
O conjunto de atuações demonstra o brilhante trabalho da produção no casting.
Porém, dois fatores mudam os papéis desempenhados pelos detetives. O primeiro é a lenta e gradual descoberta de que Allen pode ser inocente; o segundo é como o suspeito faz Pyre colocar em perspectiva a própria religião e tudo que aprendeu sobre a fé.
Um dos principais valores da minissérie, um original da FX (cada vez mais consolidado como o principal canal do grupo) é não abordar o trabalho de Krakauer sob a perspectiva de “mais uma série de true crime na TV”.
A decisão de Black em criar um par de detetives, cujas idiossincrasias expressam justamente os temas investigados por Krakauer, confere complexidade à trama.
O conjunto de atuações demonstra o brilhante trabalho da produção no casting. Wyatt Russell (que faz Dan), Sam Worthington (que interpreta Ron), Chloe Pirrie (a excelente Matilda) e Daisy (a Brenda) são certamente os destaques de um elenco coeso, em que Garfield brilha, ainda que aqui e acolá pudesse estar uma nota abaixo.
Isso não significa que não haja imperfeições. Talvez as mais notáveis sejam a duração dos episódios e flashbacks salientes. Sobre o primeiro, alguns momentos poderiam ter ficado de fora, simplesmente por agregarem muito pouco à narrativa. Sobre o segundo, detalhes da história da formação da religião já estavam claros sem a necessidade de que fossem insistentemente relembrados.
De início, quase não se nota, mas do meio dos sete episódios em diante, exige do espectador a superação de um leve cansaço. Todavia, se quem estiver diante da telinha tiver paciência, vai aproveitar uma das grandes produções de 2022, que levou nada menos que 10 anos para que o projeto saísse do papel.
Em Nome do Céu é um suspense da mesma linha que Mare of Easttown (HBO Max), que, não se pode duvidar, pode render, especialmente, a Andrew Garfield indicações aos principais prêmios da TV. Certamente será justo.
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