Dentro da história da TV infantil estadunidense, há um espaço muito especial guardado a Pee-Wee Herman. O personagem, criado pelo ator Paul Reubens, conquistou os corações infantis e adultos com sua performance mezzo ingênuo, mezzo maliciosa, mas, acima de tudo, nonsense e inventiva de uma forma que só as crianças conseguem ser.
Nos anos 1980, Pee-Wee tornou-se uma celebridade cult: esteve em muitos programas, estrelou filmes (o primeiro dirigido por Tim Burton) e capitaneou na emissora estadunidense CBS um programa infantil que durou cinco temporadas. Até que, de uma hora para a outra, tudo o que Paul Reubens construiu desmoronou como um castelo de cartas quando ele foi preso pela polícia em um cinema pornô por comportamento obsceno.
A história marcaria o resto da existência deste artista talentoso, que morreu de câncer em julho de 2023. Mas, antes disso, Reubens gravou quarenta horas de entrevista com o cineasta Matt Wolf. Por fim, esses encontros deram origem à minissérie documental em duas partes Pee-Wee Herman: Por Trás do Personagem, riquíssimo teledocumentário que busca revelar quem foi esse homem e prestar justiça ao seu legado.
O desafio é mais do que interessante: à certa altura da sua carreira, Paul Reubens resolveu assumir a persona de Pee-Wee e deixou de aparecer ou dar entrevistas como ele mesmo. A estratégia era fundir personagem e ator. Somada à qualidade do seu trabalho, a tática o levou ao ápice da fama – mas também a destruiu de forma impressionantemente rápida.
Criado na Florida, Reubens cursou a CalArts Theater School, onde foi colega de gente como Katey Sagal (a Peggy Bundy da série Married With Children). Foi lá que encontrou o espaço adequado para cultivar a sua verve artística baseada na estranheza, elaborando um trabalho cheio de referências à TV infantil dos anos 1960 e às artes circenses.
Seu trabalho com um grupo de improvisação chamado Groundlings (do qual participava também Cassandra Peterson, também conhecida por sua personagem: ela é a Elvira, a Rainha das Trevas) o levou a criar vários tipos, entre os quais Pee-Wee – que é um adulto meio birrento, com ares infantis – foi o que acabou mais vingando.
Homossexual assumido, Paul Reubens conta em entrevista que, em certo momento, resolveu “voltar ao armário” e esconder sua vida pessoal do público. Tratava-se certamente de uma estratégia para se tornar uma super celebridade ligada ao público infantil. No entanto, foi isso que o levou a enfrentar o seu pior pesadelo.
‘Pee-Wee Herman: Por Trás do Personagem’ e a reinvenção do documentário biográfico
Para além da história contada no documentário da HBO Max (que, por si só, é fantástica), há algo de muito especial em Pee-Wee Herman: Por Trás do Personagem, e que diz respeito ao seu formato. O filme faz uso de entrevistas dadas por Reubens para Matt Wolf em primeira pessoa, em que o ator fala diretamente à câmera.
Pee-Wee Herman: Por Trás do Personagem consegue trazer uma homenagem muito justa a um ator que deveria ter sido muito mais reverenciado enquanto estava por aqui.
São conversas em profundidade, em que Paul Reubens está livre para fazer aquilo que faz de melhor, que é seduzir o interlocutor com a sua fala envolvente, inteligente e cômica de um jeito muito particular. Ele jamais revelou ao diretor que enfrentava, há seis anos, um tratamento de câncer. Sua perspectiva pelo fim, portanto, deixava claro que ele estava ali para registrar uma espécie de testamento, que daria forma e cara ao seu legado à cultura pop.
Essas entrevistas acabam dando margem a momentos ricos de embate entre Reubens e Wolf. Em vários momentos, há alguma discussão sobre se o ator está tentando dirigir o documentário e, assim, controlar a narrativa. Como estes momentos são postos à cena, há um convite ao espectador para que se deixe abraçar por Paul e pelas histórias que ele conta.

Os contrapontos à sua trajetória são dados pelos muitos entrevistados, que vão desde a equipe fiel que esteve ao seu lado até o fim, assim como celebridades que se tornaram suas amigas próximas (entre eles, além de Cassandra Peterson, estão os atores Debi Mazar e David Arquette). Além de testemunhar os tormentos de Paul Reubens, eles também fornecem uma boa dimensão da sua magnitude enquanto artista.
Preso duas vezes (em 1991, pelo caso de exposição no cinema, e em 2002, quando foi acusado injustamente de guardar pornografia infantil), Paul Reubens foi engolido por uma moralidade hipócrita e homofóbica que o cercou e transformou a sua imagem ingênua de Pee-Wee, de uma hora para outra, em uma espécie de Ted Bundy.
Foi resgatado pelos jovens (e especialmente pela MTV), mas morreu ainda injustiçado. Pee-Wee Herman: Por Trás do Personagem consegue trazer uma homenagem muito justa a um ator que deveria ter sido muito mais reverenciado enquanto estava por aqui.
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