Um dos temas que mais costumo abordar nesta coluna da Escotilha é o fascínio que temos quanto ao ato de ver. Imagens chocantes operam quase como uma hipnose coletiva. É comum ouvir aquele “ditado” sobre não conseguirmos desviar os olhos quando passamos por um acidente de carro, pois mais horrível que possa ser a cena.
Há sete anos, interessa-me neste espaço discutir como o telejornalismo lida com este excesso de imagens que hoje povoam o mundo. Podemos talvez dizer que quase tudo que existe está sendo registrado, uma vez que as câmeras estão em todos os lugares.
Já há cidades, como Londres, cujos espaços públicos estão inteiramente cobertos por câmeras de segurança. E há, claro, as câmeras portáteis, sempre a postos na mão das pessoas para registrar tudo de anormal que possa acontecer.
Mas por que queremos ver tudo? Qual é o objetivo de termos tantas imagens evidenciando, supostamente, aquilo que aconteceu? Penso que a primeira resposta – a mais óbvia – é aquela que diz que ver faz com que as coisas possam se transformar. Ou seja, as imagens trariam mais consciência e teriam, em si mesmas, poder de transformação da realidade.
Contudo, este argumento é falho: já constatamos que informação não significa mudança. Um exemplo meio bobo disso poderia ser: os fumantes sabem que o cigarro faz mal, mas mesmo assim não param de fumar. Eles inclusive veem imagens bem agressivas sobre os danos causados pelo cigarro, mas mesmo assim, não largam o vício.
O telejornalismo e o fetiche sobre a visão
Os telejornais, portanto, estão o tempo todo veiculando imagens impactantes no intuito de, supostamente, “mostrar as coisas como elas são”. O argumento feito para a exibição de cenas chocantes é quase sempre o mais fácil: não basta apenas saber das coisas horríveis que acontecem no mundo, é preciso também ver.
Por que queremos ver tudo? Qual é o objetivo de termos tantas imagens evidenciando, supostamente, aquilo que aconteceu?
Por meio deste raciocínio, apaga-se a ideia de que os veículos jornalísticos (a conta aqui não entra apenas na televisão) tiram grandes vantagens quando exibem tais imagens.
Angariam mais audiência, mais cliques nas matérias, mais views em canais de Youtube. Audiência, portanto, é o objetivo central na busca destes registros, por mais que se use argumentos mais nobres.
Toda semana temos vários exemplos de como esta exploração do fetiche que temos pela visão foi aproveitada nos telejornais. No Paraná, tivemos um caso tristíssimo de um pai e o filho de três anos que morreram atropelados por um ônibus na canaleta (para quem não é de Curitiba: canaleta é o corredor exclusivo para ônibus que cruza algumas ruas da cidade).
A história, em si, já é arrasadora quando fica no campo da imaginação. Porém, os veículos parecem crer (de novo: este é o argumento nobre) que é preciso ver para saber. Por isso, assim que se conseguiu as imagens das câmeras públicas, elas foram postas ao ar.
Sob a justificativa de proteger os espectadores das “imagens fortes”, a cena é exibida em um telejornal da RPC (e provavelmente ocorreu o mesmo nas outras emissoras), dando destaque ao momento que o pai desce do carro com o filho no colo e, numa distração, atravessa a rua sem ver o que o ônibus estava passando. Por isso, a imagem é cortada no exato momento em que o ônibus irá atropelá-los. Desta forma, os telejornais creem prevenir-se da acusação de não serem éticos.
Mas, novamente, deixo em aberto a questão: por que precisaríamos ver o segundo que antecede a morte de pai e filho? Qual a razão de assistirmos uma cena como esta senão o de alimentar o nosso fetiche irracional pelas imagens?
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