Impossível falar de O Mecanismo como apenas uma obra de ficção e separá-la da real e caótica política brasileira. A série de José Padilha é um grande retrato recente da zona e do circo que ocorre nesse país e, por causa disso, ganha a atenção do público, sedento por ver suas convicções retratadas na tela. O problema é que se no primeiro ano Padilha resolveu dar voz a um discurso mais alinhado com a direita e ao anti-petismo, neste ano o diretor resolveu ter um senso crítico mais amplo. O resultado, claro, desagradou aqueles que acham que o PT é o culpado de todos os problemas do universo. Misteriosamente, para esse público, a série ficou ruim. Mas O Mecanismo já era péssimo, só que agora a série desagrada a todos.
A série continua do mesmo ponto em que o primeiro ano acabou, mostrando mais desdobramentos da operação Lava-Jato. A dinâmica entre Verena (Caroline Abras) e Ruffo (Selton Mello) continua e outros personagens entram na história para movimentar a narrativa. Se na primeira temporada Padilha tentou criar um thriller político apelando mais para estratégias e jogos de poder, no segundo ano ele utiliza mais da liberdade criativa para nos mostrar cenas de ação e de aparente tensão, especialmente envolvendo Roberto Ibrahim (Enrique Diaz).
Não há espaço para interpretação, porque Padilha não confia no público.
É válido e inteligente criar novas situações para dar ritmo à série. O problema é que O Mecanismo nasceu parecendo uma grande piada interna, nossa chacota pessoal dramatizada para rirmos do nosso país e brincar de acertar quem é quem na vida real enquanto assistimos à TV. Como bem disse o jornalista Maurício Stycer em sua coluna para a Folha de S. Paulo, a segunda temporada já nasce datada. Por causa disso, tudo soa apressado para que a história se aproxime cada vez mais dos acontecimentos atuais. Como não há preocupação nenhuma em desenvolver a narrativa, a solução é enfiar na boca dos personagens diálogos vergonhosos, que ultrapassam o limite da exposição e ditam, passo a passo, o que se passa na cena ou como devemos pensar.
Não há espaço para interpretação, porque Padilha não confia no público, ao mesmo tempo em que parece querer se redimir de seu discurso maniqueísta do primeiro ano. Assim, tudo é milimetricamente explicado. Se a grande revelação do ano passado foi que o Brasil todo é corrupto (uau!), a do segundo ano é a de que todos os partidos alimentam o mecanismo e que, uau, não somente o PT foi corrupto. Para mostrar que o país está dividido, Padilha mostra o juiz Rigo (Otto Jr.) entrando em um carro logo após vazar os áudios de uma conversa entre a presidente Janete (Sura Berditchevsky) e o ex-presidente Gino (Arthur Kohl). Na cena, Rigo sorri ao ouvir as pessoas o chamando de herói. Da outra janela, o personagem soa preocupado ao ver manifestante o chamando de golpista. Nada sutil.
Por causa disso, mesmo Padilha mudando seu ponto de vista – algo bem válido e sábio, aliás – e inserindo uma visão mais crítica do nosso país, a série soa sem personalidade. Os personagens parecem uma grande paródia, as atuações são forçadíssimas e o texto parece ter saído de uma escola de novos roteiristas que estão aprendendo a escrever agora.
O único trunfo, porém, é que se antes a série só havia desagradado a esquerda, agora ganha a antipatia dos simpatizantes à direta. Como bem diz um personagem em determinado momento, ninguém quer a verdade, todo mundo quer a melhor versão. Embora O Mecanismo tenha material para mais umas 40 temporadas, vai chegar a hora que, tanto esquerda quanto direta, vão perceber que a série sempre foi péssima, independentemente de seu discurso político.