Durante décadas, fomos mundialmente bombardeados com a propaganda de uma indústria trilionária, que nos convenceu de que cozinhar não é bom. Para que “perder tempo” entre facas e panelas, e, depois, ainda ter louça para lavar? Melhor mesmo é colocar uma lasanha pronta no micro-ondas e esperar a mágica acontecer. Jantar pronto em meia hora, com o mínimo esforço, recheado de sal, gordura e, pasme, açúcar (mesmo se tratando de um prato salgado).
Essa dinâmica do comer “qualquer coisa”, de não dedicar tempo a uma refeição e de abandonar os nossos costumes e tradições à mesa (no caso do Brasil, foi o consumo do arroz com feijão, que diminuiu drasticamente desde a década de 1980) culminou em uma das maiores epidemias de obesidade já vistas, além de doenças crônicas ligadas diretamente com um estilo de vida sedentário e recheado de produtos ultraprocessados, que são as “comidas” criadas pela indústria para “facilitar” a nossa vida.
Por sorte, entramos em um novo momento: a neura fitness acabou trazendo algo de bom, já que passamos a ficar um pouco mais atentos ao que comemos, apesar de, junto, ter bombardeado as nossas cabeças com modismos (sem glúten, sem lactose, etc). Em paralelo, a televisão, principalmente a paga, mas também a rede aberta, está focada em criar cada vez mais programas que nos ensinem a cozinhar.
Cozinhar, como dita o papa da alimentação saudável, o jornalista Michael Pollan, é um “ato político”: poder preparar nossas refeições nos permite fazer nossas próprias escolhas sobre o que comer. E nada precisa ser tão difícil: em um dos episódios da nova temporada do Cozinha Prática, no GNT, Rita Lobo mostrou que fazer as pazes com a mesa é fácil: comer comida, como prega o recente e premiado Guia Alimentar Para a População Brasileira – o coordenador, Carlos Augusto Monteiro, foi o convidado da atração.
Cozinhar, como dita o papa da alimentação saudável, o jornalista Michael Pollan, é um ‘ato político’.
O Cozinha Prática, que começou um tanto tímido no GNT, é hoje o melhor programa de culinária da televisão. Primeiro, porque as receitas da Rita Lobo, de fato, funcionam, mesmo as um pouco mais trabalhosas. Segundo, porque ela costuma ser bastante democrática, tanto nos pratos quanto no uso dos ingredientes: prefere os de fácil acesso. Ao utilizar orgânicos, sempre lembra: “quem não puder usar, não tem problema”.
É o oposto de Bela Gil, que virou um fenômeno e ganhou adoradores na mesma proporção que ganhou odiadores (leia mais sobre o assunto clicando aqui). A chef é um tanto elitista em seu discurso, ao dizer que legumes e frutas precisam ser sempre orgânicos, ou, ao usar ingredientes muito caros e difíceis de encontrar. Mesmo assim, Bela e seu programa têm um grande mérito: mostram novos caminhos e possibilidades na alimentação.
“Amadores”
Atores e pessoas comuns sem formação em cozinha profissional também estrelam seus programas. Às vezes, colocar um ator ou atriz famosa para cozinha parece um tanto oportunista, mas acaba funcionando pela proximidade: para o espectador, é divertido ver o Rodrigo Hilbert cozinhando de maneira mais despretensiosa, ou cometendo os mesmos erros que cometemos na cozinha.
O que de fato poderia ficar de fora dos programas, até mesmo das competições do estilo MasterChef, é a “gourmetização” excessiva: óbvio que, para a comida ser um produto lucrativo, a apresentação é importante. Mas, talvez, seja mais interessante focar no bom e consciente uso dos ingredientes e na valorização da comida local, ao invés de elitizar a culinária.