Ao zapear pelos canais da TV aberta, é comum se deparar com alguns produtos específicos, como jornais factuais, programas de auditório e de entretenimento, ou novelas, filmes e minisséries. Contudo, onde se inserem os programas de cunho cultural nessa grade e como eles estão postos nessas emissoras?
No dia 24 de julho, a consultoria JLeiva Cultura e Esporte, em parceria com o Datafolha, divulgou a pesquisa Cultura nas Capitais, que pretendeu mapear os hábitos culturais do brasileiro. A pesquisa foi realizada em junho de 2017 e contou com a ajuda de 10 mil pessoas, de 12 capitais brasileiras, que responderam 55 perguntas sobre a relação delas com a cultura.
A pesquisa apontou, dentre tantos pontos, que assistir à TV e utilizar a internet são as atividades mais exercidas pelo brasileiro quando não estão estudando ou trabalhando. Assim como demonstrou que a TV é citada como a principal fonte para se inteirar sobre atividades culturais (47%), à frente das redes sociais (44%), boca a boca (32%), internet (26%) e jornais (18%).
Tendo em vista esses dados, é possível inferir duas coisas: como o hábito de assistir à TV ainda está associado no dia-a-dia do brasileiro de forma significativa, e como essa plataforma é uma grande “porta de entrada” para que a sociedade consuma cultura. Mas de que forma a TV brasileira apresenta esse assunto para sua audiência?
Cultura na TV brasileira aberta
Para entender como a cultura é inserida na TV brasileira, é importante entender que as emissoras mais populares – as mais consumidas pelo grande público -, são as chamadas emissoras comerciais. Essas se atêm ao lucro, e por isso preferem apostar em programas culturais que flertam com o entretenimento do que programas que discutam puramente o fazer artístico. É o que explica Maurício Stycer, jornalista, crítico de TV e colunista do UOL.
“A TV aberta no Brasil é explorada basicamente por emissoras comerciais, que se mantêm com publicidade. Logo, direcionam sua programação no sentido de maximizar as possibilidades comerciais. Este esforço costuma resultar em apostas no entretenimento mais popular. Há, ainda, no espectro da TV aberta, emissoras educativas, que teriam, em tese, mais liberdade para explorar temas mais profundos, o que tentam. E as emissoras religiosas, que não têm interesse nisso”.
Alguns exemplos dessas emissoras educativas da TV aberta comentadas pelo crítico são a TV Cultura e a TV Brasil, emissoras da rede pública que pautam programações de caráter educativo e cultural, complementando e ampliando a oferta de conteúdo artístico-cultural na TV brasileira.
Nelas encontra-se uma grade extensa de programas culturais que abordam as mais diversas vertentes da cultura, tratando desses assuntos de forma mais densa e crítica do que é ofertado nas emissoras comerciais. Na TV Cultura são exemplos: Café Filosófico, Metrópolis, Ensaio, Manos e Minas, Cultura Livre e TerraDois. Já na TV Brasil pode-se pensar nos programas Mídia em Foco, Camarote 21, Trilha de Letras e Estação Plural.
Mas apesar de conter ricas programações culturais, as TVs públicas brasileiras passam por alguns obstáculos que não permitem sua popularização. Um ensaio divulgado no jornal Nexo mostrou que, no caso da TV Cultura, um desses obstáculos é a limitação de sua autonomia administrativa e independência editorial causada pela dependência orçamentária em relação ao governo do Estado de São Paulo. Enquanto as emissoras comerciais são mantidas, sobretudo, com publicidades e ações de anunciantes.
A TV aberta no Brasil é explorada basicamente por emissoras comerciais, que se mantêm com publicidade. Logo, direcionam sua programação no sentido de maximizar as possibilidades comerciais. Este esforço costuma resultar em apostas no entretenimento mais popular.
Desse modo, o conteúdo cultural que comumente chega à grande audiência é o veiculado nessas grandes emissoras comerciais que, como já exposto anteriormente, se une ao entretenimento em uma roupagem mais atrativa para o público.
“A função da TV aberta é entreter, logo, é natural que haja mais programas de mero entretenimento do que os ditos “culturais”. Ótimo se pudesse entreter com cultura, e vejo sim isso acontecendo. Claro que num mundo ideal seria melhor que fosse em mais quantidade, mas a TV é comercial e essa função ainda é destinada às emissoras estatais”, conta Nilson Xavier, jornalista, crítico de TV e criador do site Teledramaturgia.
Apesar disso, o crítico de TV ressalta que existem lacunas nas emissoras comerciais que reflitam sobre a cultura, o fazer artístico. “A cultura pode ser inserida em programas de variedades ou entrevistas, como o Encontro com Fátima Bernardes e o Conversa com o Bial, por exemplo. Vejo cultura sendo debatida nesses programas. Não sempre, porque eles são muito abrangentes, mas vejo. Assim como no Como Será?, também da Rede Globo”.
Cultura nas TVs por assinatura e contexto internacional
Nos canais da TV por assinatura, o cenário de discussão cultural aumenta exponencialmente. Tem-se como exemplo os documentários da rede Discovery e do canal National Geographic, e canais que debatem cultura no âmbito nacional e internacional como Canal Brasil, Arte 1, Curta!, Eurochannel e Film&Arts.
“Na TV por assinatura, é possível encontrarmos muito conteúdo que discuta cultura. Na Globo News, por exemplo, tem-se o Globo News Literatura, que aborda assuntos voltados para a literatura nacional e internacional. Assim como é possível encontrar programas educativos e culturais em canais como a GNT e a Futura”, conta Patrícia Kogut, jornalista e colunista d’O Globo, onde mantém um site em que fala sobre a programação da TV brasileira.
Contudo, ainda assim esses canais não repercutem. De acordo com dados do Kantar Ibope Media referente ao ano de 2017 – descontinuados no site da organização, mas replicados em sites como o do jornalista Flávio Ricco, colunista da UOL – os canais da TV paga que obtiveram maior audiência no ano foram os que detêm programação voltada para o entretenimento, como o Cartoon Network e o Discovery Kids.
Alguns podem se perguntar: será que esse panorama se repete em outros países? Assim como no Brasil, a programação de TVs de outros países também tem canais voltados para assuntos culturais e educacionais, seja na TV aberta ou na TV por assinatura.
Na França, há os canais Arte e France 4 (TV públicas) que abordam arte e música, além do canal fechado Mezzo, que transmite programas de arte erudita. Em Portugal e na Espanha, há o Odisseia, canal dedicado à exibição de documentários nacionais e internacionais, enquanto na Itália, há o Rai 5 e no Reino Unido o BBC Two. E ainda nos Estados Unidos tem a emissora PBS de caráter educativo-cultural.
Portanto, é fato que na programação de emissoras de televisão do mundo todo há conteúdo de debate cultural, mas os outros países o consomem de forma mais assídua que nós? A jornalista Patrícia Kogut diz que não.
“É uma idealização achar que outros países são melhores, que seus canais são mais ‘culturais’ que os exibidos no Brasil. Claro, a TV brasileira tem programas que deixam a desejar, assim como as emissoras estrangeiras também têm os seus, mas também tem programas de muita qualidade. Além do mais, nossos produtos culturais também são muito valiosos, a exemplo das nossas novelas, que são reconhecidas e premiadas pelo mundo todo”.
Nilson Xavier, crítico de TV e também membro da APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte), também comenta sobre esse parâmetro. “Esta não é uma questão exclusiva dos brasileiros. O mundo todo é assim. Há programação exclusivamente cultural, mas é totalmente segmentada. Ela está em lugares específicos, seja na grade de TVs abertas ou fechadas. E o fato desses programas não estarem entre as maiores audiências é algo que se repete no mundo todo”.
Mas tendo em vista que as emissoras comerciais, detentoras das maiores audiências da TV aberta, visam o lucro a partir de programas que se comuniquem cada vez mais com o público, é possível inserir programas de discussões culturais nessas emissoras, sabendo que esses não costumam chamar a atenção da audiência?
“É possível inserir mais abordagens culturais aos programas. Porém, apenas se isso trouxer retorno para as emissoras comerciais (as estatais já fazem isso). E por retorno entende-se audiência. Logo, surge uma nova questão nessa discussão: até que ponto o público está disposto a consumir programas ditos “culturais”? Ou “mais culturais”? O assunto é bem mais amplo”, ressalta Nilson Xavier.