Poucos assuntos foram mais comentados (e esperados) nas últimas semanas do que a comemoração dos 50 anos do Jornal Nacional, o primeiro telejornal transmitido em rede nacional. Independente do que se pense sobre o principal noticiário da Rede Globo, é inegável que ele é um marco – seja por sua importância histórica, seja pelo reconhecimento do seu raio de influência (pois, desde seu início, serve para pautar os demais jornalísticos das emissoras), seja pela capacidade de determinar assuntos perante a população.
De fato, um telejornal deste peso ganha sua força justamente na sua vocação para se imbricar na vida das pessoas. O Jornal Nacional ajudou a estabelecer a ideia de uma grade televisiva em que o jornalístico era o centro, o momento mais sério, o “cardápio” que precisa ser consumido diariamente para conseguirmos sobreviver em sociedade. Em outras palavras, se as redes sociais são um grande restaurante self service em que o consumidor está sempre propenso a fazer más escolhas, o telejornal, idealmente, é um prato pronto com os ingredientes necessários para uma boa nutrição diária. E a verdade é que, passados 50 anos, o Jornal Nacional segue sendo o “menu” mais confiável na televisão brasileira para quem quer saber sobre o mundo (só se compara, em termos de qualidade, ao Jornal da Cultura, da TV Cultura).
Independente das críticas (muito pertinentes) que foram direcionadas ao Jornal Nacional nestas décadas, penso que é inegável que este é o telejornal com mais chances de cumprir este papel de falar a verdade.
As celebrações do cinquentenário do programa iniciaram na semana passada, e estão à altura do telejornal. Oportunamente, optou-se por não fazer entrevistas com os “titãs” do noticiário – uma vez que essa ideia foi executada há quatro anos, no aniversário de 50 anos da Rede Globo. Dentre as ações escolhidas agora, estão o lançamento de um livro comemorativo e o compartilhamento da famosa bancada (capitaneada por William Bonner, há 23 anos, e por Renata Vasconcellos, há 5 anos) com apresentadores vindos de cada estado do país, em um rodízio nos sábados. Mas a melhor ação comemorativa foi, a meu ver, a exibição de cinco reportagens especiais que cobriram temas considerados relevantes para a história do país: avanço nas comunicações, mudanças nas cidades, saúde, educação e o mundo do trabalho (as reportagens estão disponíveis aqui).
A ideia parece simples, mas a execução foi inusitada: as reportagens foram editadas como uma espécie de mosaico construído utilizando trechos de matérias exibidas ao longo de cinquenta anos, sem qualquer adição de narração extra, apenas com o uso de trilha sonora que “costura” os trechos escolhidos e dá o tom emotivo àquilo que assistimos. O resultado, independente do cinismo de um espectador avesso à Rede Globo e seu poderio, é emocionante. São reportagens que se assemelham a documentários e que recompensam o árduo trabalho dos repórteres e cinegrafistas, que não são nomeados (trazendo aqui a ideia de que o mundo, conforme se mostra na tela, é mais importante que as pessoas que o trouxeram à tona). Assim, são cinco décadas de mudanças, avanços e retrocessos; em suma, de uma memória afetiva reativada a partir de um passado que, inegavelmente, é constituído por aquilo que nos contaram os telejornais. Na emenda entre as imagens recuperadas nas reportagens especiais do Jornal Nacional, transparece a ideia de um Brasil possível, repleto de problemas e qualidades.
A história do Jornal Nacional, conforme já sabemos, é marcada por uma boa quantidade de críticas e desconfianças sobre o uso que foi feito quanto ao seu poder e abrangência. Erros históricos foram cometidos, com impactos seríssimos, ajudando a direcionar os rumos políticos do país (o principal deles talvez tenha sido a edição tendenciosa feita do debate entre Collor e Lula, nas eleições de 1989, gerando protestos inclusive de artistas da casa). Há ainda episódios que desvelam o quanto o telejornal fortaleceu o sexismo vigente no país e desfavoreceu, por muito anos, a entrada de mulheres em sua bancada, por entender que a confiança nas notícias provinha em parte do fato de ser encabeçado por uma dupla masculina (essas histórias estão contadas, com mais detalhes, neste ótimo especial produzido pelo UOL).
Nas comemorações dos 50 anos, uma palavra foi repetida à exaustão: credibilidade, entendida como um valor máximo ao jornalismo (a premissa de que veículos jornalísticos, em razão dos seus processos de produção, são mais confiáveis que outras instituições). Independente das críticas (muito pertinentes) que foram direcionadas ao Jornal Nacional nestas décadas, e das crises enfrentadas pelo programa nos últimos anos, penso que é inegável que este é o telejornal com mais chances de cumprir este papel de falar a verdade, ainda que de forma sempre falível. Em tempos que os jornalísticos de muitas emissoras se esvaem frente a interesses políticos assumidos por seus donos, isso não é pouca coisa.
Para ilustrar o que quero dizer, parafraseio aqui o mestre Gay Talese que, quando questionado sobre por que ainda precisamos de jornais, respondeu: “porque no prédio de qualquer redação de um jornal respeitável, há menos mentirosos por metro quadrado do em qualquer outro prédio. Há mentirosos nos jornais também, mas em menor número. Os jornais estão mais interessados na verdade, mesmo se cometem erros, às vezes erros involuntários”. Mesmo passível de erros (e de mentiras) o tempo todo, mesmo atrelados a interesses de um superconglomerado de mídia, mas concretizado por profissionais de qualidade, e submetido ao escrutínio público mais que qualquer outro telejornal, o Jornal Nacional segue sendo uma das poucas chances que temos de nos aproximarmos da verdade por meio da televisão.