É nítido que as grandes emissoras, como a Globo, estão buscando se adaptar à era do streaming e à mudança de gosto dos espectadores, cada vez mais viciados em séries sofisticadas, com textos mais maduros e ousados dos que os programas da TV aberta. Frente à concorrência com serviços como Netflix e Amazon Prime, busca-se cativar um público que nem sempre está disposto em permanecer ligado na programação nacional.
Talvez então possamos enquadrar a estreante Pais de primeira como uma tentativa de fisgar este público, sempre sedento por uma série para chamar de sua. O seriado – escrito por nomes de peso da literatura brasileira, como Antonio Prata e Tati Bernardi – guarda parentesco com sitcoms americanas que mesclam humor e forte tom emocional, seguindo a mesma linha de séries “fofinhas” sobre as miudezas do cotidiano com filhos, como as recentes Togetherness e Up all night (que tem uma premissa bastante semelhante a Pais de primeira). A história gira em torno do casal Taís e Pedro, dois jovens moderninhos que trabalham com profissões ligadas à publicidade e que descobrem, após seis anos de relacionamento, que estão “grávidos”.
A julgar pelo primeiro episodio, o programa tem algumas boas piadas, especialmente nas referências à cultura pop.
Taís e Pedro são encarnados pelos atores Renata Gaspar e George Sauma, ambos rostos bem conhecidos do grande público pelos programas de humor (ela é do elenco fixo de Tá no ar, e ele, de Zorra) – o que, num primeiro episódio, causa um certo impacto ao vê-los em papéis que flertam com maior densidade do que estávamos acostumados. Isso ocorre sobretudo com Renata, que é engraçadíssima em Tá no ar (destaco, especialmente, o papel hilário como Ieda Karlakian no quadro impagável “Os Karlakians”), o que traz um estranhamento inicial ao vê-la num papel mais realista. Já ele, à primeira vista, parece novo demais para o papel. Aos poucos, no entanto, logo nos acostumamos com o casal e começando a desenvolver algum afeto pela dupla.
A julgar pelo primeiro episódio, o programa tem algumas boas piadas, especialmente nas remissões à cultura pop – em uma das cenas, Taís, transbordada pelos hormônios da gravidez, chora e diz que antes não chorava, “nem quando Carminha jogou a Nina no lixão”, numa referência à novela Avenida Brasil. No entanto, falta certo frescor na forma em que se aborda a temática da gestação: parece que muito do que vemos no episódio inicial já foi visto incontáveis vezes antes, como o drama de se descobrir que o cônjuge é excessivamente imaturo, a clássica cena da bolsa rompida e dos palpites sem fim dos parentes, etc.
Mas reitero que este é apenas o episódio inicial e que restam mais cinco nesta primeira temporada para que vejamos se a temática conseguirá ser oxigenada, ou não, em Pais de primeira. A série já mostrou vários trunfos: o ritmo “econômico”, sem grandes enrolações (os pais vão da descoberta da gravidez ao parto logo no primeiro episódio); há uma engraçada dinâmica tangencial envolvendo os parentes do casal, especialmente com os avós (vividos por Marisa Orth, Daniel Dantas, Heloisa Perissé e Nelson Freitas), que claramente disputarão a atenção pelo bebê; um certo tom minimalista e despretensioso que parece cercar a série, o que nos faz sentir mais próximos desse casal do que, por exemplo, de um personagem de novela, que nem sempre preza pelo realismo; e uma importante discussão de fundo sobre a idealização da maternidade/ paternidade (a qual já aparece, por exemplo, nas questões referentes ao parto normal versus cesárea e nas falas constantes de Taís para que eles não sejam os típicos pais neuróticos, embora inevitavelmente acabem sendo).
Por fim, a série promete trazer uma abordagem pertinente sobre os atuais papéis nessa dinâmica, uma vez que a mãe, Taís, é uma espécie de workaholic (em uma das cenas, talvez a mais engraçada do piloto, ela se chateia por ser excluída de um projeto pois estará em licença maternidade, mas fica feliz com a ideia de que não dormirá com o bebê pequeno e poderá trabalhar de madrugada), enquanto o pai é sossegadão, sonhador. Sendo assim, Pais de primeira cria a expectativa de mais episódios engraçados e comoventes – mas, sobretudo, bastante atuais acerca da realidade que é criar uma criança nos dias de hoje. Um tema que, mesmo que não seja exatamente novo, merece sempre ser representado – ainda mais na TV aberta.