As mídias hegemônicas sempre foram alvo de desconfiança pela população. E a regra é: quando mais poderosa a mídia, mais suspeita ela parecerá. A Rede Globo, sendo um dos grandes grupos de comunicação do planeta, sempre esteve sob o escrutínio público, sendo alvo de acusações diversas. Ao menos desde 1993 – quando o documentário da BBC Muito além do Cidadão Kane repercutiu nacionalmente e deu sustentação à rejeição que já existia -, a emissora de Roberto Marinho foi associada a todos os tipos de prejuízos e erros a que uma empresa de comunicação pode estar envolvida.
Vastos são estes problemas e, dentre eles, pensamos em distorções, manipulações, exclusões de pauta do noticiário, favorecimento a candidatos políticos, tendenciosidade na cobertura jornalística, além da simples e direta mentira. Oficialmente, a Globo só assume dois deles: a cobertura do protesto das Diretas Já em 1984, no Jornal Nacional, ocorrido na Praça da Sé, em São Paulo, e veiculado como se tivesse acontecido um culto ecumênico; e a edição do debate entre Collor e Lula, em 1989, que teria favorecido o candidato alagoano, que se tornaria presidente. Este mea culpa da emissora, é claro, não faz jus à quantidade de equívocos (inevitáveis, de certa forma) ocorridos ao longo de décadas.
Em outras palavras, aqui esclarecemos que não há qualquer novidade na rejeição à Rede Globo. Esta crítica se tornou tão corriqueira que se tornou um grito de guerra (“O povo não é bobo, abaixo a Rede Globo”) e uma frase chavão, “Isso a Globo não mostra”, que foi oportunamente apropriada pela própria emissora dentro de um quadro do Fantástico, numa espécie de fagocitose inteligente. De tão repetida, podemos dizer que esta crítica se esvaziou.
Se não há notícia na crítica à emissora, não podemos dizer que não haja novidade alguma: ela está no fato de que tem se tornado comum que certas pessoas invadam o link ao vivo da Globo (quando há transmissão em tempo real na tela) para gritar palavras de protesto ou para agredir jornalistas da emissora. As agressões, como evidenciam os vídeos, têm motivação, em parte, por uma postura agressiva do presidente da República contra a Globo. Em outros momentos, Bolsonaro ameaçou não renovar a concessão da emissora (que, como todas as emissoras privadas, é de propriedade do governo e tem sua concessão reavaliada a cada quinze anos).
Os protestos “Globo lixo” prejudicam, sobretudo, a linha de frente, que são os repórteres, a ponta mais fraca da corda – os assalariados, os substituíveis, tal como as pessoas que os agridem.
Este é um tipo de protesto que tira proveito daquilo que a televisão tem de mais precioso, que é a força irresistível do ao vivo, aquela que escapa do controle da própria empresa, e traz a possibilidade que o real emerja em frente aos novos olhos. Nada mais “real” que um protesto, alguém poderia dizer – mas, obviamente, o buraco é mais embaixo, e o atingido vai muito além da Globo, mas toda a esfera jornalística, ofício fundamental para a manutenção da democracia justamente porque desempenha o papel de fiscalização dos poderes. Daria para lembrar, é claro, para pontuar aqui que, ao serem motivados por claros interesses políticos, estes boicotes nada têm de espontâneo.
Mas além do óbvio – que essas pessoas atacam não apenas a Globo, mas todo o jornalismo, uma instituição que os protege dos mais poderosos -, há uma série de falhas lógicas neste raciocínio dos que levantam a bandeira de “Globo lixo”. Primeiramente, esta é uma ideia que enxerga uma emissora televisiva como um mecanismo superpoderoso, um monstro, e não com uma empresa que é formada por pessoas, que brigam, divergem, concordam, negociam. O fantasma de uma máquina onipotente, portanto, é, no mínimo injusta, para não dizer paranoica.
Portanto, os protestos “Globo lixo” prejudicam, sobretudo, a linha de frente, que são os repórteres, a ponta mais fraca da corda – os assalariados, os substituíveis, tal como as pessoas que os agridem. Ao desestabilizar profissionais ao vivo, estes protestos prejudicam, por fim, os espectadores que aguardam as informações.
Por fim, aponto aqui a falácia de que instituições jornalísticas seriam mais mentirosas que governos – e que, quando os governos intentam falar diretamente à população, e não por intermédio do jornalismo, seriam mais “transparentes”, e não o contrário.
Vale relembrar aqui a fala de um dos grandes jornalistas vivos, o repórter Gay Talese. Em visita ao Brasil, Talese pontuou: “todos os dias, nos jornais das cidades grandes ou pequenas, repórteres vão à rua para fazer o que não é feito por mais ninguém. De todas as profissões, se um jovem estiver interessado em honestidade e não estiver interessado em ganhar muito dinheiro, eu aconselharia o jornalismo, que lida com a verdade e tenta disseminar a verdade. Há mentirosos em todas as profissões, inclusive no jornalismo, mas nós não os protegemos. Os militares acobertam mentirosos. Os políticos, os partidos, o governo, todos fazem isso. O escândalo do Watergate é uma crônica de acobertamento. Os jornalistas não agem assim, não toleram o mentiroso entre eles. Acho uma profissão honrosa, honesta. Tenho orgulho de ser jornalista”.
Como bem diz o mestre, devemos proteger o jornalismo pois essa é uma das últimas chances que temos de garantir que a verdade circule.