Há 20 anos recém completados no SBT, Carlos Ratinho Massa é um verdadeiro fenômeno da comunicação popular. Execrado pela crítica especializada desde a sua estreia na televisão (quando começou a apresentar o Cadeia neles, de cunho policialesco, substituindo o lendário Luiz Carlos Alborghetti), Ratinho é, independente do que se ache dele, um exímio comunicador, com uma capacidade peculiar de se conectar com uma grande parcela da população.
Qualquer texto que pretenda analisar o que significa a existência (e a permanência) de seu programa dentro da grade televisiva brasileira deve, primeiramente, reconhecer esse fato: uma parte enorme do sucesso do Programa do Ratinho se deve à mediação do apresentador, que faz parte do panteão das grandes figuras da televisão, cujo carisma e capacidade de comunicação vão além do que pode ser medido ou expresso em palavras (faz parte deste grupo outras pessoas que parecem intocáveis, insubstituíveis, como Faustão, Silvio Santos, Gugu Liberato, Ana Maria Braga – gente que, gostemos ou não, parece ter encontrado o caminho para o coração dos brasileiros).
Tal como é de se esperar na trajetória destes poucos “escolhidos”, a ascensão de Ratinho na televisão foi meteórica. Em 1991, estreou como repórter policial; em 1995, passava a encabeçar o Cadeia e 190 Urgente, no canal CNT; em 1997, migrava para a Record; e já em 1998, apenas sete anos após sua estreia na TV, era seduzido por uma proposta salarial feita por Silvio Santos e mudava-se para o SBT, que parece ser sua casa definitiva, a julgar por sua longevidade na emissora.
De fato, o SBT parece ser o lar para um programa como o de Ratinho, baseado na celebração do que há de mais popularesco (ou seja, de uma visão rebaixada do que significa pertencer às classes populares). As atrações do Programa do Ratinho, como muitos estudiosos costumam destacar, têm um tom excessivamente mundano, voltado às agruras que, imagina-se, acometem as massas: testes de DNA para comprovar quem é o pai de uma criança (talvez este seja o quadro mais famoso), show de calouros sem talento, matérias apelativas, quadros de humor, paródias jornalísticas (o famigerado “Jornal Rational”) e distribuição de pequenos prêmios em dinheiro.
Em resumo, o palco do Ratinho é quase como uma reprodução de um espetáculo circense, formado sobretudo por palhaços. Um verdadeiro carnaval, no qual os ‘ratos’ tomam a voz e adquirem um poder inconcebível em outras atrações televisivas.
Em resumo, o palco do Ratinho é quase como uma reprodução de um espetáculo circense, formado sobretudo por palhaços. Um verdadeiro carnaval, no qual os “ratos” (os que estão mais abaixo na cadeia alimentar: os desfavorecidos, os pobres, os miseráveis, os explorados) tomam a voz e adquirem um poder inconcebível em outras atrações televisivas. Por isso mesmo, o programa é propositadamente caótico, bagunçado, estridente. Pouco importa se alguns consideram este tipo de televisão de extremo mau gosto; é esta, afinal, a proposta de Ratinho e seus asseclas. Todos os que o cercam, aliás, são personagens bem estereotipados: como os ajudantes de palco Marquito e Faxinildo, a marcante voz do “Sombra”, o marionete Xaropinho (uma espécie de Louro José from hell), as comediantes “gostosonas” Michele Pavorô e Valentina Francavilla, entre tantos outros.
Como bem definiu o pesquisador Muniz Sodré no livro O império do grotesco: “Ratinho é, em suma, um clown do grotesco chocante”. Sua figura encontraria continuidade direta à TV feita por Chacrinha: ambos são apresentadores que “privilegiam a apresentação de cantores de má qualidade e personagens de aparência excêntrica, praticam a ironia constante com convidados e funcionários, coincidindo, de modo geral, na incitação ao riso pelo emprego sistemático do grotesco”.
E o grotesco no Programa do Ratinho é levado às últimas consequências: diz respeito à exibição de todo tipo de conflito (a esperada e celebrada “baixaria”, com direito a socos e pontapés), de piadas e tiração de sarro sobre o corpo, rindo dos altos e dos baixos, dos gordos e dos magros (com o enfoque, inclusive, em deformações, nos que se desviam das normais do corpo “sadio”), abrindo espaço inclusive à agressividade como uma forma de humor aceitável. É quase como se todos os excessos do programa (vale lembrar que uma das marcas de Ratinho era um cassetete que ele brandia no ar, reivindicando justiça) funcionassem como uma espécie de catarse a todos aqueles que se sentem diariamente esmagados pelo mundo.
Temos motivos para celebrar, então, o aniversário de 20 anos do programa? Trata-se de uma questão complexa, difícil de ser respondida de forma definitiva. De todo modo, a discussão a ser encarada é que a longevidade do Programa do Ratinho revela que todos os defensores da “TV de qualidade” desconsideram que nem sempre são as atrações de maior erudição que conseguem, de fato, criar laços com uma população que quer se ver representada e, por que não, acolhida– nem que seja pelos braços de um grande pai midiático, de fala meio demagógica, chamado Ratinho.