Nesta segunda-feira, 29 de junho, celebra-se os 70 anos do apresentador Serginho Groisman, cuja carreira se desenvolveu em cima de uma espécie de “poder” bastante específico: a sua capacidade de dialogar com o adolescente brasileiro. Talvez esta seja a única figura televisiva brasileira que, durante décadas, mantém uma conversa ininterrupta com o mesmo público, pois mais que os anos passem e as idades mudem – a sua e a dos jovens.
Neste sentido, Serginho é um verdadeiro fenômeno. Há 20 anos na Rede Globo, onde capitaneia o Altas Horas, o apresentador vinha já de uma longeva carreira bem-sucedida em programas juvenis: começou com o Matéria Prima, na TV Cultura, e migrou em 1991 para o SBT, onde fazia uma atração diária às tardes. O Programa Livre (o “pai” dos Altas Horas) durou 8 anos nas mãos de Serginho, até ele ser contratado pela Globo. Depois disso, o programa foi apresentado por Otávio Mesquita, Babi Xavier, Christina Rocha e Márcia Goldschmidt – alguns destes, nomes bastante estranho para pensarmos à frente de um programa para adolescentes.
Em pleno 2020, é difícil rememorar os marcos simbolizados pela figura de Serginho Groisman na televisão. Em alguma medida, ele representa uma época em que o jovem passou a ser figura central na televisão – vide, por exemplo, a força cultural da MTV Brasil, exibida em TV aberta entre 1990 e 2013. Groisman, ao recepcionar uma atração numa emissora popular, ajudou a sedimentar a ideia do adolescente enquanto um sujeito com direito à voz, que deveria ser ouvido e respeitado. Mesmo que fosse sempre mais velho que seu público (em 1991, estreia do Programa Livre, Serginho já tinha 41 anos), sempre teve uma característica bastante rara mesmo entre os apresentadores jovens: a capacidade de conversar de igual para igual.
Em alguma medida, Serginho Groisman representa uma época em que o jovem passou a ser figura central na televisão.
Atento-me aqui com mais detalhe no Programa Livre – talvez hoje já pouco lembrado, uma vez que o público de Serginho Groisman naturalmente se renova pela idade – o qual considero um verdadeiro marco na TV brasileira. Junto com o Matéria Prima, o Programa Livre ajudou a consolidar o estilo de televisão que se repetiu ao longo da carreira do apresentador: uma espécie de talk show com participação ativa da plateia, mesclado com atrações musicais, brincadeiras, e com Serginho andando de um lado pro outro para levar o microfone para quem quisesse a palavra.
Ao assisti-lo hoje, fica claro que, na sua simplicidade, Programa Livre era bastante arrojado. Na abertura, a sua marca de “rebeldia” já era defendida: viámos um muro pichado, um surfista, os símbolos hippie de paz e amor e yin e yang, além de adolescentes carregando placas pedindo “mais som” e “mais verde”. Já durante o programa, efeitos modernos de edição eram usados, projetando um chroma key que alterava as roupas dos presentes e frases gritantes que pulavam na tela.
O Programa Livre – com muito mais vigor que o Altas Horas, por exemplo – se sustentou pelo diálogo direto, pelas reivindicações e por muitas pautas duras. Sustentado pelo bordão “Fala, garoto!” – que já aparecia na abertura do programa, grafitado num muro feito por computador – buscava justamente dar o direito à fala de uma juventude marcada pelo inconformismo e pelo niilismo. Vale lembrar, por exemplo, que foi nos anos 90 que a juventude dos “caras pintadas” apoiaram nas ruas o impeachment do presidente Collor e que o grunge espalhou pelo mundo uma música pautada pela melancolia e pela descrença no futuro.
O caráter incisivo desta juventude está documentado em várias edições do programa. Quando o ex-presidente Collor esteve no programa, após ter saído do poder, teve que ouvir a seguinte pergunta de um presente na plateia: “o senhor dorme tranquilo sabendo que 150 milhões de pessoas o odeiam?”. Noutro embate, um adolescente abriu um pôster de Mara Maravilha nua na Playboy e teve que ouvir reclamações dela. Além disso, segundo documenta o livro Almanaque do SBT, algumas edições trouxeram ao palco plateias mais plurais, como menores da antiga FEBEM e presidiários do Carandiru. Dentre as discussões, temas espinhosos, como aborto, liberalização da maconha e questões relacionadas à vida política do país (por exemplo, recebeu Lula para dar entrevistas aos jovens em 1996).
Em 2000, com a ida para a Globo, passou a apresentar aos sábados os Altas Horas – que, como o próprio nome sugere, vai ao ar à noite. O “fala, garoto” deu espaço a um novo lema, “vida inteligente na madrugada”, que não faz tanta justiça ao programa global caso fôssemos compará-lo com o antecessor. No entanto, em vinte anos, Altas Horas conseguiu trazer para a Globo uma conversa franca sobre sexo, com a sexóloga Laura Muller; marcou o formato talk show ao manter uma banda de apoio só de mulheres; além de atrações musicais certamente facilitadas pelo poder da emissora e eventuais boas reflexões feitas durante o programa.
Hoje assistimos já ao que parece ser um novo fenômeno da juventude, que diz respeito a uma possível mudança nas linguagens pelas quais esse público se expressa. Nesta reportagem do Tab UOL, investiga-se sobre o sucesso atual dos vídeos em formato POV (abreviação de point of view, referindo-se às gravações em que um sujeito fala diretamente para a câmera, como se do outro lado houvesse um interlocutor). A sensação, é claro, de estranhamento e rejeição, pois nada mais difícil que entender a “língua” dos mais jovens que nós – mesma sensação que eu tenho, por exemplo, quando vejo o sucesso feito por celebridades jovens recentes que aparentemente são famosas só por publicarem vídeos sobre nada na internet. Os jovens mudam, pois assim é o natural, mas algo sempre permanece: a tentação que os mais velhos têm de olhá-los de cima.
Por isso mesmo, vale a pena reforçar: Serginho Groisman, ao permanecer na mesma altura que o seu público, é o septuagenário mais jovem que esse país conhece.