Talvez a grande sacada da série …And Just Like That, da HBO Max, esteja no que poderia ser considerada a sua maior fraqueza: seu showrunner, Michael Patrick King, sabe que sua nova criação nunca chegará aos pés da obra original, a icônica Sex and The City, que se tornou um fenômeno cultural que se estende muito além da televisão.
Por isso, a segunda temporada do spin-off ganha frescor justamente pela certa despretensão e até pela vontade de rir das personagens – que, depois de se tornarem célebres como mulheres solteiras em Nova York na casa dos trinta anos, agora beiram quase sessenta. Carrie (Sarah Jessica Parker), Miranda (Cynthia Nixon) e Charlotte (Kristin Davis) lidam com outros dramas para além dos emocionais na busca de novos parceiros.
Embora Samantha tenha ficado para trás do spin-off por conta de brigas entre Parker e a atriz Kim Catrall (há uma pequena surpresa na segunda temporada), elas ganharam novas amigas, com claros contornos de representatividade: a documentarista negra Lisa (Nicole Ari Parker), a professora de Harvard Nya, também negra (Karen Pittman, de The Morning Show), a corretora de ascendência indiana Seema (Sarita Choudhury) e a comediante não-binária Che Diaz (Sara Ramírez, de Grey’s Anatomy).
Se a primeira temporada nos apresentava esse novo cenário, com novas personagens, ela ainda centralizava em torno do drama central da morte de Mr. Big (Chris Noth), o grande amor de Carrie, que ocorria logo no primeiro episódio. A partir daí, o enredo se desenrolava de forma leve, mas ainda assim capaz de complexificar a vida dessas mulheres que, embora extremamente glamourosas (de uma forma tão exagerada que beira a sátira), também sofrem por motivos reais.
A segunda temporada de …And Just Like That oscila mais em termos de ritmo dos episódios do que a primeira, que tinha um tema mais específico. Na temporada 2, há o espaço para que as novas personagens tenham mais desenvolvimento. Isso dá luz a certos dramas que talvez desagradem uma parte da audiência.

Parece-me que a graça principal de …And Just Like That ocorre quando vemos as personagens mais glamourosas dos anos 2000 se darem mal de alguma forma.
A pior rejeição está na personagem de Che Diaz, o romance lésbico de Miranda que faz com que ela rompa seu casamento na primeira temporada. Miranda passa parte dos episódios apaixonada por Che, que a trata de forma que foi considerada pela comunidade LGBTQIA+ como extremamente nociva às representações do grupo: a personagem é pouco comprometida, algo ranzinza e que tende a fazer um stand-up comedy ruim com base no seu relacionamento com a namorada.
Seema, Lisa e Nya também encontram novas camadas, mas ainda tangem a superficialidade (Nya, por exemplo, cai no clichê da mulher que sofre uma decepção amorosa e só se recompõe ao achar outro homem). Penso que a principal atração – e alívio cômico – ocorre na família de Charlotte. Ela está prestes a voltar a trabalhar em galerias de arte e enfrenta certo sofrimento em se afastar seu marido e suas filhas, que estão mais crescidinhas.
Ao mesmo tempo, Harry (Evan Handler) lida com questões sexuais relativas à idade: ele descobre que não tem mais ejaculação. O fato, no entanto, é verificado em uma cena bastante hilária.
As piadas em cima da vida sexual na maturidade também se repetem com outros personagens: Miranda se atrapalha com um cintaralho enquanto se relaciona com Che, e Seema se reconhece sendo preconceituosa com um homem que usa uma bomba peniana.
Um recall de ‘Sex and The City’
Parece-me que a graça principal de …And Just Like That ocorre quando vemos as personagens mais glamourosas dos anos 2000 se darem mal de alguma forma. Obviamente, “se dar mal” é completamente relativo aqui. Envolve, por exemplo, o momento em que Carrie se enfia em um evento de arrecadação de fundos sem querer e precisa fazer uma doação polpuda, ou quando ela e Seema se veem no meio de um assalto. Mas vê-las reduzidas à “mortalidade”- representada, justamente, pelo fato de que envelheceram – é uma espécie de alento às mulheres que idealizaram Sex and The City como um estilo de vida.
Para quem é realmente saudosista quanto à série original, a principal atração é ver a reaproximação entre Carrie e Aidan (John Corbett), o namorado perfeito que ela abandonou em razão de seu amor obsessivo por Mr. Big. Trazê-lo de volta à trama é a chance de desenvolver a ideia de desencontro amoroso que é certamente presente na vida de todo mundo que já se relacionou com alguém.
É claro que o reencontro entre os dois será lindo, mas as coisas estão longe de serem fáceis. E ao trazer uma Carrie madura e quase nos sessenta anos, o spin-off nos proporciona (sobretudo ao público feminino que acompanhou a série em seu tempo original) a chance de evoluir junto com ela.
Embora não seja especialmente brilhante ou particularmente memorável, …And Just Like That tem sua graça e um gostinho de comfort food que pode seguir agradando as fãs deste universo que foi tão importante na cultura pop.
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