A franquia Brinquedo Assassino virou um clássico do terror e eternizou Chucky no nosso imaginário. Saída da mente de Don Mancini, a série de filmes, é claro, possui altos e baixos – provavelmente, mais baixos do que altos.
Entretanto, é inegável que o trabalho de Mancini procurou se adaptar as nuances que o gênero passou desde 1988, ano que o primeiro filme da série foi lançado. É daqueles raros casos que, mesmo após um título ruim, acabamos encarando o próximo, seja pela memória afetiva, seja pelo desejo de acreditar que algo bom possa sair dali.
Para os mais jovens pode soar estranho que algo criado nos anos 1980 ainda desperte a atenção dos adultos de hoje, mas só quem viveu a época e as lendas urbanas que permearam o boneco do Fofão pode entender[1].
Quando Chucky foi anunciada pela Syfy e USA Networks, a expectativa cresceu exponencialmente. E ao fim da primeira temporada da série, em exibição no Brasil na plataforma de streaming Star+, a missão parece cumprida. E boa parte disso se deve ao fato de que a produção do show foi inteligente em abraça o bom e o mau desses mais de 30 anos de franquia.
‘Chucky’ é uma volta às origens: terror adolescente
Um dos erros da franquia nessas três décadas foi tentar ser o que não era: terror adulto. Brinquedo Assassino surgiu na esteira do terror adolescente dos anos 1980, mais precisamente do esgotamento do gênero, e fez sucesso desta forma. Nos momentos em que optou por mudar sua trajetória, nada se saiu muito bem – vide o péssimo remake Brinquedo Assassino (2019).
Chucky retoma a vocação do personagem criado por Don Mancini. Voltamos para uma bucólica cidade estadunidense, na qual um jovem adolescente adquire um boneco em uma venda de garagem com o objetivo de inserir pedaços dele em um projeto pessoal de arte.
Não demora muito até que fique claro que estamos em um programa de terror adolescente com tudo o que os adolescentes do século XXI fazem. E aqui, Chucky brilha
Jake é um garoto tímido, que vive com seu pai, Luke, que vive embriagado, lamentando a morte da esposa e incomodado com os comportamentos artísticos e a orientação sexual de seu filho. Jake segue os passos da mãe e é hábil com esculturas, e apesar de não ficar explícito nos primeiros episódios, sente-se claramente atraído por garotos.
A entrada de Chucky em sua vida, que acontece logo nos primeiros episódios, dá novos contornos à sua existência. O boneco é responsável por sacudir seu entorno e por fazer com que ele crie coragem de se expressar contra outras pessoas e de se rebelar contra o bullying.
Esse balde de tantas informações faz do início da série um pouco confusa, já que não deixa explícita qual abordagem será a escolhida (a relação com o pai, o bullying, a descoberta de sua sexualidade?). Entretanto, não demora muito até que fique claro que estamos em um programa de terror adolescente com tudo o que os adolescentes do século XXI fazem. E aqui, Chucky brilha.
Série é boa de tão ruim
Como todo bom slasher que se preze, Chucky é tão ruim que é bom. Não é uma questão de juízo de valor, a série exige muito de nossa suspensão da descrença, tem todo absurdo do gênero e as idiotices típicas dos adolescentes. Não falta nada.
E uma estratégia inteligentíssima da produção conduzida por Mancini, que é o showrunner da série, é se valer da cronologia da franquia, recorrendo não apenas aos personagens clássicos, mas aos atores que os interpretaram. É quase uma celebração da história do antagonista – e uma resposta imediata à MGM e seu remake de 2019.
A inclusão de aspectos contemporâneos da juventude é feita com delicadeza. Podcasts, redes sociais, influenciadores, videogames, há de tudo, mas como construção de contexto e não algo preponderante à trama. Tudo ocorre pelo boneco, pelo terror, pelos traumas, nada pela falsa estética. Mancini não perdoa nada, nem mesmo seus erros criativos.
Nos oito episódios que compõem essa primeira temporada (Chucky já foi renovada para uma segunda, a estrear ainda este ano), há muito sangue, sequências infinitas de esfaqueamentos, pescoços quebrados e decapitações. A série tem, obviamente, um apelo mais juvenil, mas vai agradar os corações mais gelados e sedentos de sangue.
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[1] Pamela Malva em Aventuras na História
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