Desde quando eu era criança, tenho o costume de assistir documentários. E também desde aquela época tenho um interesse por aprender sobre guerras, embora, conforme eu crescia e compreendia melhor seus aspectos trágicos, esse interesse tenha passado de meras estatísticas de batalhas decisivas para histórias humanas comoventes em meio a conflitos. E foi juntando esses dois interesses que fiquei sabendo de Ken Burns.
Provavelmente um dos maiores documentaristas americanos atuais, seus filmes e séries, muitas vezes dirigidos e/ou produzidos em colaboração com a documentarista Lynn Novick, constantemente falam de temas clássicos do imaginário e da história dos EUA, como baseball, jazz, política e, claro, guerra. Esse último tema ele já abordou diversas vezes: Em 1990, com uma série sobre a Guerra Civil Americana; em 2007, com outra sobre a 2ª Guerra Mundial; e em 2017, com o assunto do texto de hoje: a série A Guerra do Vietnã: Um Filme de Ken Burns e Lynn Novick.
Conforme a história segue em frente, é de se perguntar se é justamente de novas visões sobre o passado como essa que precisamos.
Para começar, vou avisando para não pensarem que a série é curta só por ter a palavra “filme” no subtítulo: seus dez episódios somam 16 horas e meia, em uma longa e dolorosa experiência que narra toda a história do conflito, desde muito antes de os americanos saberem da existência de um lugar chamado Vietnã. Ao longo deste tempo, Burns e Novick apresentam ao espectador a triste história colonial da Indochina sob o governo francês, a guerra por independência que resultou na formação dos Vietnãs do Norte e do Sul, a guerra civil que se seguiu e como os EUA vieram a se envolver nela em um conflito cada vez mais feroz e absurdo, o choque que seu prolongamento sem perspectivas causou em ambas as sociedades, a eventual retirada americana após conquistar praticamente nada, até chegar aos dias atuais e às consequências que a Guerra do Vietnã teve, tanto para vietnamitas quanto americanos.
Porém, mais do que os muitos anos de pesquisa histórica que a equipe de Burns e Novick realizou, o que mais impressiona, em A Guerra do Vietnã, são os depoimentos pessoais que eles conseguiram registrar, cobrindo todos os lados imagináveis não apenas da guerra, mas de toda aquela época, jogando os holofotes em todo mundo sem pender para ninguém: americanos e vietcongues, norte-vietnamitas e sul-vietnamitas, militares e civis, políticos e jornalistas… Todos tendo suas falas entrelaçadas e comparadas lado a lado, cada um relatando como se viu pego no conflito, e dando sua própria perspectiva sobre ele, permitindo assim que a série explore aspectos culturais, sociais, tecnológicos, estratégicos e políticos da guerra, tudo do ponto de vista daqueles que tiveram suas vidas mudadas por ela.
Embora já tenha assistido inúmeros filmes e documentários fazendo referência à Guerra do Vietnã, fiquei chocado com o quão pouco sabia sobre ela conforme assistia esta série. Está certo que ela ocorreu bem antes de eu nascer, mas, ainda assim, considerando quantas séries documentais bastante conclusivas existem por aí sobre, digamos, a 2ª Guerra Mundial, a Guerra do Vietnã permanece até hoje como um capítulo bastante mal compreendido na história. Por isso, não duvido que esta série ainda será considerada no futuro como um dos retratos mais completos, perspicazes e profundos deste conflito em específico. Ainda mais considerando que ela foi feita bem na hora, quando muito já se tentou explicar a Guerra do Vietnã, mas ainda há vários veteranos e outras pessoas daquela geração vivas para compartilhar suas próprias histórias.
Vou avisando, porém, que A Guerra do Vietnã não é uma série fácil de assistir. Sei que para muitos isso deve soar óbvio, mas até eu fiquei surpreso com o quão comovido fiquei com algumas das histórias narradas, e o investimento emocional que é necessário para seguir em frente assistindo a série. Mesmo com ela estando disponível na Netflix, era-me impossível ver mais do que um episódio por dia. Se você for de coração um pouco mais fraco, já aviso que haverá momentos de sobra que lhe farão querer chorar.
Ainda assim, recomendo-a imensamente. É uma experiência que te prende minuto a minuto, do começo ao fim. Claro que ressalvas podem ser feitas, como sempre podem, principalmente em sua narrativa da guerra, que ao tentar conciliar os pontos de vista de todos, dá a impressão de que os EUA se envolveram em uma guerra civil que poderia ter sido alheia a eles, e na qual sofreram apenas derrota após derrota.
Isso não é inteiramente verdade, mas também não é inteiramente falso. É uma forma de interpretar, diferente do que muitos estão acostumados, mas tão válida quanto várias outras, e contada de forma extraordinária. E conforme a história segue em frente e velhos erros da Guerra do Vietnã parecem se repetir com nomes diferentes, é de se perguntar se é justamente de novas visões sobre o passado como essa que precisamos.