A mais nova antologia da NBC, a minissérie Law & Order True Crime encerrou sua primeira temporada no início de novembro e entra naquela velha categoria de produções que não são ruins e também não são ótimas. São apenas regulares. Mas o caso aqui é um pouco frustrante, já que o selo Law & Order carrega um prestígio grande. A série original ficou 20 anos no ar e sua série derivada, Special Victims Unit, é exibida há 18 anos com uma audiência sólida.
A ideia de uma nova franquia para Law & Order vem na onda das produções que dramatizam ou documentam crimes reais, como a excelente American Crime Story, Making a Murderer, The Jinx e The Keepers. O que vimos em seus oito episódios, porém, foi apenas uma série de investigação normal, que se não fosse pela própria história absurda em que o roteiro se baseia, poderia ser confundida com qualquer outro episódio de séries criminais genéricas.
Para quem não conhece, a minissérie tem o mesmo argumento de American Crime Story. Mas ao invés de O.J. Simpson, temos, aqui, os irmãos Menendez, que mataram os pais com vários tiros em 1989. O caso foi o mais midiático até O.J. superá-lo.
José Menendez e sua mulher Kitty foram encontrados mortos em casa, em Beverly Hills. Ele era um milionário da indústria do entretenimento. Seus filhos (Erik Menendez, com 19 anos na época, e Lyle Menendez, com 22) disseram estar no cinema na hora do crime. Nos seis meses seguintes, gastaram quase toda a fortuna que haviam herdado dos pais. Presos em março de 1990, os irmãos confessaram ter matado os pais e alegaram ter agido para prevenir seus próprios assassinatos. No primeiro julgamento, em 1993, eles disseram ter sido vítimas de torturas físicas e abusos sexuais constantes. A conclusão do caso é encontrada facilmente na internet, mas se você não sabe ou não lembra, assistir à série pode ser bem mais interessante.
A minissérie traz um foco diferente ao abordar a defesa de assassinos confessos e não a acusação. O assassinato dos irmãos é bastante perturbador e a série tenta emular a mesma incerteza que o público teve na época. Não havia dúvida de que os garotos mataram os pais, mas a pergunta era por quê. A defesa, então, tenta criar uma argumentação para salvá-los da pena de morte e para que sejam acusados de homicídio culposo, quando não há intenção de matar.
Há uma constante falta de ritmo e uma certa insegurança dos roteiristas.
Vamos começar pelas qualidades. Depois de uns três episódios mornos, a série engata quando concentra sua ação no tribunal. A atuação de Gus Halper (Erik) e Miles Gaston Villanueva (Lyle) é bastante convincente e os atores conseguem provocar indignação e pena ao mesmo tempo. Quando a série adentra no que o ocorria na mansão da família, os dois conseguem interpretar bem os traumas de crianças abusadas sexualmente, o que deixa no público espaço suficiente para que haja discussão e não apenas julgamento manequeísta. No tribunal, a argumentação de defesa e acusação dá ritmo à minissérie. Como todo o julgamento foi televisionado, os roteiristas pegam o que houve de mais inacreditável na história e aumentam o drama em duzentos porcento.
Como já era de esperar, quem carrega a série inteira nas costas é Eddie Falco (Família Soprano, Nurse Jackie), que deve ter uma vaga garantida nos indicados ao Emmy do ano que vem. Interpretando a advogada de defesa Leslie Abramson, Falco pega os trejeitos da verdadeira Leslie, mas aplica pequenos gestos, olhares e modo de falar que deixam sua atuação ainda maior.
Leslie enfrenta o constante machismo, os absurdos de uma promotoria aparentemente corrupta e misógina e a pressão da sociedade em ser esposa e mãe. É nela que mora toda a força da série e chega a ser comovente assistir à sua relação com os garotos. Em nenhum momento a personagem faz algum juízo de valor e somente fica à frente da defesa depois de acreditar que seu caso, de fato, é crível. Outro destaque é a atuação Anthony Edwards (ER), que interpreta um juiz tão parcial que suas ações são sempre irritantes.
Mas o problema é que já existe uma série muito parecida. American Crime Story: The People vs. O.J. Simpson não apenas dramatizou o caso do ex-jogador de futebol americano, mas emulou todo aquele circo de maneira catártica. A direção era certeira, as reviravoltas eram colocadas nas horas certas e não havia nada fora do lugar ou gorduras desnecessárias. Era uma série ficcional, mas parecia um documentário.
Em Law & Order True Crime, tudo é burocrático demais, como se a série, que se passa entre 1989 e 1996, estivesse sendo exibida de fato nestes anos. Os flashbacks são mostrados em preto e branco, alguns personagens são um tanto quanto estereotipados e tudo o que você espera de uma série criminal está lá. Incomoda, também, diversas inserções que não condizem com o que ocorreu durante todo o julgamento. São apenas algumas cenas feitas para tapar alguns buracos na narrativa.
Mesmo para quem não acompanhou a história original, o enredo se torna um pouco maçante ao longo do tempo. Há uma constante falta de ritmo e uma certa insegurança dos roteiristas, que chegam a citar várias vezes algumas coisas que vimos em American Crime Story, estratégia não muito inteligente para uma série que já carrega o peso da comparação.
Há, também, um descuido na representação da época. Os cenários e as roupas não mudam muito, mesmo quando os anos vão passando, os atores continuam com a mesmíssima feição e, se não fosse o uso de legendas informando qual o ano em que ação se passa, nós não perceberíamos que o julgamento se arrastou por tanto tempo. Com isso, não conseguimos sentir a exaustão da defesa, porque tudo parece tranquilo demais.
A série também não inova ao tentar fazer a mesma coisa que American Crime Story fez. Há o episódio focado nos jurados, o episódio focado na luta de Leslie conta o machismo, o episódio sobre o circo midiático e por aí vai. Faltou uma liberdade maior para que a minissérie saísse do quadrado e mostrasse por que o caso foi um dos julgamentos mais marcantes do século para os norte-americanos.
Não é nenhum sacrifício assisti-la e, talvez, alguns anos atrás a produção poderia ser vista como algo acima da média. Mas, infelizmente, ficou a impressão de que, tirando Eddie Falco, faltou intensidade e urgência. Com cancelamento quase certo pela NBC, o grande azar de Law & Order True Crime foi não aprender com American Crime Story.