Há uma série da HBO Max que tem deixado muita gente encucada. Para contextualizar, narrarei aqui alguns momentos de um dos episódios. Uma mulher cristã, já na casa dos 40 anos, tem como um dos objetivos de sua vida constituir uma família tradicional: pai e mãe casados formalmente, com um filhinho, crescendo em uma casa de campo relativamente afastada dos centros urbanos.
Mas a mulher, que se chama Angela, tem algumas dúvidas se é realmente isso que ela quer. Para completar, não tem muita previsão de realizar este plano a curto prazo – afinal, não há um homem no seu radar. Seu caminho então cruza com o do comediante Nathan Fielder, que desenvolveu um programa de TV que coloca no mundo uma tese bizarra que ele alimenta: a possibilidade de podermos “ensaiar” para as situações que queremos viver. É possível saber como é ter filhos antes de tê-los? Há como reproduzir esta experiência?
É esta a vivência que Nathan quer oferecer a Angela (e para vários outros sujeitos que aceitam a provocação) em O Ensaio, série da HBO que é difícil de ser encaixada em qualquer gênero. Afinal, do que se trata este “experimento” audiovisual do comediante Nathan Fielder? E como deveríamos reagir frente a esse programa? São questões difíceis de responder, mesmo depois de maratonar toda a primeira temporada desta série.
‘O Ensaio’: uma série dentro da série
Um dos primeiros impactos trazidos por O Ensaio, além da sua premissa louca, é a constatação do tamanho do investimento da HBO na nova atração bolada por Nathan Fielder, um comediante canadense que ficou conhecido nos Estados Unidos por conta de outra série, chamada Nathan For You. Realizada pelo canal Comedy Central, a série durou 4 temporadas e trazia Nathan como uma espécie de coach meio furado que fazia consultoria para negócios reais.
Um dos primeiros impactos trazidos por O Ensaio, além da sua premissa louca, é a constatação do tamanho do investimento da HBO na nova atração bolada por Nathan Fielder.
Nathan For You foi bastante elogiada pela crítica e chegou a ser apontada como a grande novidade da comédia nas últimas décadas. Talvez todo esse sucesso tenha dado ao comediante o aval para que a HBO apostasse alto na sua nova empreitada.
Digo isso porque é visível, em O Ensaio, o tom de superprodução: Fielder constrói casas e bares inteiros, contrata um grande elenco de apoio e chega a desenvolver uma escola para treinar os atores no chamado “método Fielder” de interpretação, que consiste, basicamente, em tornar-se alguém que se observa.
É tudo muito, muito fascinante – e ao mesmo tempo, há algo de profundamente fútil, como se Nathan Fielder estivesse gastando um esforço gigantesco em algo que não estamos convencidos ser relevante. O que Fielder está fazendo com aquelas pessoas (sujeitos reais, e não atores, vale lembrar) está de fato ajudando-as em suas dificuldades, ou ele está apenas sendo sádico?
Há ética em contratar atores mirins (incluindo bebês) para “virarem” filhos de uma mulher desconhecida? E, por fim, o quanto deste “ensaio” é, de fato, apenas de Nathan?
Testando os limites do humor cringe
Independente de tudo isso – e de que O Ensaio, por mais inclassificável que seja, tem um efeito quase hipnótico em quem a assiste – dá para dar algumas risadas com as situações absurdas causadas por Nathan Fielder. Assim como dá para ficar absurdamente constrangido em vários momentos.
Penso que é possível dizer que O Ensaio leva o chamado subgênero do “humor cringe”, ou “comédia cringe”, às últimas consequências. Este é um estilo de comédia que tem cativado muitos roteiristas nas últimas décadas, que desenvolvem tramas que arrancam o riso a partir de cenas que envolvem personagens em situações embaraçosas.
Reflita, por exemplo, sobre qual era a graça da série The Office se não a de ver pessoas ridículas se levando muito a sério – e, inclusive, tentando disfarçar quando tinham algum lapso de sanidade frente às vergonhas em que se metiam. Ou então em Fleabag, que compartilhava seu deboche com o público, na famigerada quebra da quarta parede.
Se formos prestar atenção, acharemos vários outros exemplos televisivos. Em The Comeback, Lisa Kudrow era uma atriz fracassada e estrambólica que tem uma visão completamente distorcida de si mesma – e nós, os espectadores, compactuamos da verdade sobre ela. Em Veep, tanto a protagonista Selina Meyer (papel brilhante de Julia Louis-Dreyfus) quanto todos no seu entorno são patéticos.
Mas é possível fazer isso com pessoas reais? De alguma forma, é este o limite que Nathan Fielder está tensionando em O Ensaio. A nós, os espectadores, cabe apenas avaliar, a partir dos nossos próprios parâmetros, a experiência que ele está nos oferecendo.
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