Dentro de uma sociedade polarizada, como é a atual situação do Brasil, o humor se torna uma verdadeira arena de disputa. Há até quem divida os comediantes como “de esquerda” e “de direita”.
O problema desta visão reducionista é fechar os olhos para a diversidade e a riqueza da história da comédia em um país como nosso.
Somos realmente engraçados? Por que o humor mudou? E, com a popularização das redes sociais, qualquer um pode se tornar comediante? Estas são algumas das questões enfrentadas pela série documental O que você não sabia sobre o humor brasileiro, produção da National Geographic e exibida na Star+.
Apresentada por Fábio Porchat, a série se divide em 6 episódios curtos que tentam trazer uma abordagem tanto ilustrativa (a partir dos próprios comediantes) quanto analítica (com especialistas) sobre a natureza do humor.
Embora os temas dos episódios não sejam exatamente originais, eles funcionam quase como capítulos de uma pesquisa. Partem do mais geral (“o que é o humor”), atravessam os temas mais controversos (“humor tem limites” e “humor e política”) para por fim desaguar nas perspectivas do futuro (“o humor na era das redes” e “o futuro do humor”). É uma boa estrutura para tentar organizar a nossa história dentro do tema da comédia.
Amarrando todos estes assuntos, está Fábio Porchat que, por meio de um stand-up comedy, mistura uma performance de apresentador e comediante – papel que ele fica à vontade, já que desempenhou por alguns anos no Programa da Porchat, na Record.
A imponderabilidade do humor
A primeira questão a se dizer sobre O que você não sabia sobre o humor brasileiro é que o “brasileiro” no título do programa parece ser mal sustentado: apenas um episódio pretende se focar, de fato, na especificidade do Brasil.
Talvez a justificativa seja que todos os exemplos trazidos ao longo da série são de artistas brasileiros, bem como os convidados, recortando o escopo para o nacional.
O interesse na comédia enquanto gênero é recorrente por séculos, justamente por conta de sua imponderabilidade: parece mais fácil explicar por que as pessoas choram do que por que elas riem.
O interesse na comédia enquanto gênero é recorrente por séculos, justamente por conta de sua imponderabilidade: parece mais fácil explicar por que as pessoas choram do que por que elas riem.
A série da Star+, em alguns momentos, esclarece: se o drama lida com os temas universais (basicamente, choramos pelas mesmas razões desde a antiguidade), o humor muda o tempo todo.
Isso traz alguns problemas a todos nós. Um deles é que nossos cânones da comédia, que nos auxiliaram em tantos momentos difíceis, hoje seriam cancelados.
Entram aqui as piadas homofóbicas e machistas de Os Trapalhões, Chico Anysio fazendo black face em seus programas e os vários personagens politicamente incorretos da Escolinha do Professor Raimundo ou A Praça É Nossa.
Por outro lado, a série documental não deixa de exibir momentos desses comediantes – com um esclarecimento de que são cenas que faziam sentido apenas no passado. Penso que é uma estratégia inteligente ao invés de simplesmente jogar a história no lixo.
Afinal, é muito difícil ver algum esquete de Chico Anysio ou Jô Soares e não imaginar que estávamos ali no auge do humor feito no Brasil – com técnicas tão astutas que conseguiam driblar a barreira da ditadura.
Um exemplo, claro, é a personagem Salomé, que Chico Anysio criou para conversar com o presidente Figueiredo (a quem chamava apenas de João).
Somos todos humoristas?
Uma das grandes “ameaças” dos humoristas hoje é que qualquer um, a princípio, pode criar um perfil no TikTok ou YouTube e “tornar-se” profissional – afinal, não existe um diploma de comédia.
Esta questão é enfrentada na série de uma forma relativamente técnica, pensando sobre a questão do ritmo acelerado do humor nas redes e o que isso acarreta.
E talvez o grande trunfo de O que você não sabia sobre o humor brasileiro seja esse: a série documental consegue equilibrar vozes de profissionais com a de pesquisadores, que nos apresentam análises científicas sobre o tema.
Todos os especialistas, salvo alguma exceção (colocaria aqui o filósofo Luiz Felipe Pondé, que parece ser trazido mais pela fama do que pela adesão ao tema), trazem grandes contribuições para pensar na estrutura e no funcionamento da comédia.
Por fim, se é possível fazer alguma ponderação negativa sobre a série, talvez seja que ela acaba ouvindo mais os comediantes “de esquerda”, com muitas aspas (a exceção, me parece, seria o humorista Helio De La Peña, do Casseta e Planeta, que faz algumas ponderações mais destoantes ao tom que o programa segue).
Mas também é de se imaginar que gente como Danilo Gentili, Léo Lins e os profissionais do Pânico (que é citado negativamente) não tenham topado dar entrevista a um programa que tem Porchat, Paulo Vieira, Gregório Duvivier e Marcelo Adnet. Coisas de uma sociedade polarizada.
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